Empresas ensinam funcionários a cuidar do dinheiro

23 de fevereiro de 2012

Depois da sustentabilidade, que começou a ganhar espaço no Brasil na última década, agora é a vez da educação financeira. Companhias de diversos setores da economia e diferentes portes estão contratando especialistas e capacitando voluntários para dar aulas para seus funcionários e suas famílias. O que vem impulsionando esta nova onda é o aumento da oferta de crédito no País e do poder aquisitivo dos trabalhadores, além da queda dos juros, segundo especialistas.

Funcionários do Itau Unibanco participam de palestra sobre educação financeira

“Hoje temos uma taxa de juros menor do que em outros períodos e um maior acesso ao crédito,” afirma Denise Hills, superintendente de Sustentabilidade do Itau Unibanco. Quando tomam dinheiro emprestado e não conseguem controlar suas contas, os consumidores acabam se endividando. “Em geral, as empresas acreditam que tendem a perder em produtividade quando seus trabalhadores têm problemas financeiros”, diz Conrado Navarro, consultor do programa Consumidor Consciente da Mastercard.

Assim, ainda que o aumento do consumo eleve as receitas das companhias, o consumismo desenfreado pode ser um tiro no pé, já que os consumidores são também os trabalhadores. Por essas razões, a educação financeira em empresas está virando “uma febre” no País, diz o educador financeiro Wilson Muller, da Fundação Cesp. “Vai ser a próxima onda da economia, depois da sustentabilidade. É uma tendência cada vez maior no Brasil,” diz.

Na fundação, ele faz parte de uma equipe de quatro educadores, que fazem palestras e cursos sobre diversos temas de educação financeira para funcionários de dez companhias do setor de energia, em diversas regiões do País. “Fazemos diversas viagens para usinas espalhadas pelo País para ensinar funcionários,” diz Muller. Além disso, algumas vezes no ano o grupo tem um reforço de consultores externos para dar orientações para quem está para se aposentar.

Jurandir Macedo, educador do Instituto de Educação Financeira (IEF), afirma que vem sendo mais procurado por companhias de diversos portes nos últimos anos para montar programas de educação financeira. Ele trabalhou quatro anos como consultor no Banco do Brasil e hoje faz parte da equipe do Itaú.

Denise conta que o banco lançou um programa interno de educação financeira há três anos. Desde então, 80 mil dos 106 mil funcionários da instituição já passaram por aulas ou palestras de orientação sobre finanças pessoais, segundo a executiva. O Itau Unibanco também capacita funcionários e parentes ou amigos para disseminar a educação financeira. Ao todo, já foram habilitadas 777 pessoas, que atuam como voluntárias em suas comunidades ou em empresas. “Também somos procurados por companhias para fazer parcerias. Já educamos em torno de 1400 pessoas de outras empresas,”diz Denise.

Wilson Muller, da Fundação Cesp, dá orientações sobre orçamento doméstico para trabalhadores de empresas de energia

Alguns dos principais desafios para a disseminação da cultura de cuidados com as finanças pessoais, segundo consultores, é a pequena oferta de educadores financeiros no Brasil e a falta de hábito dos brasileiros para cuidar de seu dinheiro. “É uma questão cultural, muitos só procuram ajuda quando já estão tecnicamente falidos,” diz. Sobre a falta de profissionais especializados, Fábio Morais, diretor de educação financeira da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), comenta que no Brasil muitos consultores e professores de finanças que acabaram assumindo o papel de consultores financeiro.

A dificuldade é ainda maior para o ensino de crianças, diz Wilson, da Cesp. “Os adultos até conseguem informações na internet e em livros. Mas ainda há um deficit muito grande nas escolas,” acrescenta. Segundo Morais, isso já está mudando no País. Ele conta que a Febraban tem um projeto para transformar professores de matemática em educadores financeiros. A principio, serão capacitados mil professores, de cerca de 40 escolas brasileira.

Dos ditados às empresas

Com as novas investidas das companhias, o Brasil começa a deixar para trás sua deficiência em educação financeira que, segundo especialistas, é herança de uma história recente de inflação altíssima no País, que se arrastou até 1996. “Assim que recebiam seus salários, os trabalhadores iam para o supermercado para estocar produtos, ainda que não precisassem. Era um período em que não conseguíamos planejar nada e tínhamos que estocar,” diz Conrado Navarro, do blog Consumidor Consciente.

De lá para cá, o País teve três gerações sem conhecimento sobre gestão do dinheiro. “Hoje o que temos são vítimas desta história,” diz Macedo. Especialista na história da educação financeira do Brasil, o consultor diz ainda que o tema já esteve na pauta de muitas reuniões familiares no passado, antes dos períodos de inflação alta, mas em um outro formato. “Era comum o aprendizado de finanças pessoais por meio de ditados populares,” diz.

Era comum ouvir ditados como “não adianta o homem ganhar dinheiro de balde e a mulher gastar de colherinha” e “Eu não economizo mixaria. Mas se você não economizar mixaria, você nunca vai ter nada alem de mixaria para economizar,” diz. No passado, acrescenta o especialista, a função da mulher era cuidar de casa e educar os filhos para consumo.

 

Fonte: IG Economia