O designer Rafael Morgado, de 22 anos, estava em uma viagem pela Europa quando, subitamente, seu dinheiro acabou e ele teve que pegar um empréstimo no banco. Entrou para a estatística. De acordo com uma pesquisa divulgada ontem pela Serasa Experian, em 2011, a participação do jovem com idade entre 18 e 25 anos na demanda de crédito no Brasil foi a maior desde 2008.
A empresa, centralizadora de cadastros bancários, revelou que, no ano passado, 18% dos pedidos de crédito foram feitos por jovens de 18 a 25 anos. Em 2010, essa participação era de 14,3%. Entre os produtos mais procurados estão celulares, carros e motos.
O estudo revela ainda que na faixa etária a partir de 41 anos os pedidos de crédito diminuíram entre 2010 e 2011. Já entre os 26 e os 40 anos, esse número cresceu menos de um ponto percentual. O levantamento contempla apenas as pessoas que solicitaram empréstimos bancários, não estando relacionada à inadimplência dessas pessoas.
O designer do início do texto, por exemplo, conta que pediu um empréstimo de
R$ 2.500 ao banco que é correntista no Brasil, através da internet. “Eu deveria pagar em 24 meses, mas os juros são enormes. No final eu ia pagar uns R$ 5 mil”, destaca. A saída será pagar a dívida antes e, com isso, amortizar os juros.
Já a atendente de telemarketing Jaciene Santos Oliveira, de 25 anos, precisou pegar um empréstimo no banco para pagar as parcelas atrasadas do curso de Refrigeração Industrial. Mas já conseguiu quitar. “Dividi só em três vezes e agora já não devo mais nada a ninguém. Aliás, devo R$ 400 ao cartão de crédito”, ri. Ela diz que contraiu a dívida porque ficou desempregada por uns tempos, mas que agora está tudo sob controle.
Também já está controlada a situação financeira do estudante de Biologia Tiago Luíz Vieira Silva, de 22 anos. Por um motivo “extremamente pessoal”, ele acabou utilizando o limite do cheque especial. “Mas foram só R$ 200. Paguei logo”, conta ele, que hoje se considera uma pessoa equilibrada financeiramente.
Fenômeno
O especialista Wilson Justo, diretor da financeira Sorocred, em São Paulo, vê o movimento de aumento de crédito para o jovem como um fenômeno. “Esse jovem não viu o Brasil passar pela inflação, não teve contato com esse tipo de problema. Ele só viu o país crescendo, e com isso as facilidades de crédito crescendo também”, interpreta.
Já o presidente da Serasa, Ricardo Loureiro, afirma que a crescente formalização do mercado de trabalho nos últimos anos no Brasil tem beneficiado a população de baixa renda, principalmente os jovens. “Estes, além de terem maior estabilidade no emprego pelas regras do mercado formal de trabalho, passam a contar com um comprovante oficial de renda, o que estimula e facilita o acesso dessa camada da sociedade em mercados específicos como o de crédito, telefonia, etc”, diz.
Segundo o órgão, o perfil dos jovens que solicitaram créditos em 2011 (40,5%) são homens e trabalhadores de baixa renda (trabalhadores informais, sem qualificação ou estudantes da periferia).
Consignado
Apesar de já ter passado um pouco da faixa etária que foi destaque na pesquisa, a secretária Viviane Carvalho Santos, de 30 anos, sabe bem o que é pedir dinheiro emprestado. No ano passado, ela renovou um crédito consignado já existente para pagar a faculdade de Enfermagem. Seis meses depois, ela conseguiu um financiamento do Fies e a instituição devolveu o dinheiro já pago.
Com R$ 3.500 em mãos, a gastadeira assumida aproveitou para reformar o banheiro de casa. “Troquei piso, azulejo, tudo”, conta. Agora, mesmo com R$ 215 do salário de R$ 1.100 comprometidos por quatro anos, ela espera conseguir um novo empréstimo consignado para pagar novas dívidas. “Gasto muito com viagens, barzinhos, restaurantes. Tenho um padrão de vida incompatível com meu salário”, admite ela, que acumula R$ 3 mil em dívidas.
Quem sofre com isso são os amigos. “Todo mês pego dinheiro emprestado com eles. Mas sempre pago a todo mundo, não sou caloteira”, garante.
Viviane é um exemplo do que não fazer, segundo as dicas do educador financeiro Reinaldo Domingos (veja quadro ao lado). Autor dos livros Livre-se das Dívidas, Terapia Financeira e Ter Dinheiro não É Segredo, ele ensina a nunca gastar mais do que ganha e a ter limites no cartão de crédito de, no máximo, 50% do salário.
“Mais do que isso, você está gastando o dinheiro de terceiros, não o seu”. Segundo ele, ter objetivos de curto, médio e longo prazos também ajudam o jovem a poupar dinheiro. “Aí é a pessoa que decide quanto poupar, considerando o preço do sonho e o prazo”, ensina. O cheque especial, utilizado pelo estudante Tiago, também é contraindicado para quem não quer se endividar.
Meninas poupam mais
Uma sondagem realizada em São Paulo pela empresa de consultoria Quorum Brasil concluiu que as meninas de 15 a 17 anos poupam mais do que os meninos da mesma faixa etária. Segundo o estudo, que ouviu 150 jovens durante o mês de fevereiro, 68% das moças disseram pensar no futuro, enquanto apenas 57% dos rapazes disseram o mesmo. As meninas também guardam mais dinheiro e conversam mais com os pais sobre o assunto.
Segundo os realizadores da sondagem, pode-se concluir que, no futuro, as mulheres estarão mais atentas que os homens com relação ao controle das despesas e investimentos. Outra conclusão é a de que a internet é a principal fonte de informações sobre finanças e o assunto está longe das escolas. O educador financeiro Reinaldo Domingos concorda . “Os jovens
começam a se endividar quando iniciam seus vínculos empregatícios, sem nenhuma instrução sobre como lidar com o dinheiro”, critica. “Ele tem que ter conhecimento de que tem que usar o dinheiro dele, não o de terceiros”.
O especialista Wílson Justo diz que não saber lidar com o dinheiro acaba criando uma falsa ilusão de que se deve pouco. “O jovem divide a compra em muitas parcelas, depois olha a fatura e diz: ‘só estou devendo R$ 30, posso ficar devendo mais R$ 20’. Só que ele não soma todas as parcelas e, quando vai ver, a dívida já atingiu um valor muito alto, e leva meses para se recuperar”, descreve.
Para não cair na armadilha, ele aconselha sempre fazer compras à vista, por causa do poder de negociação, e que se poupe 20% do salário, todo mês. “Depois que o jovem vê suas economias crescendo, ele acaba tomando gosto pela coisa”, garante. Reinaldo Domingos completa: “A maioria das pessoas quando vai fazer o diagnóstico financeiro percebe que de 20% a 30% do salário é gasto em coisas supérfluas”.
Jovens dão dicas
Eu preciso mesmo desse produto? O que ele vai me trazer de benefícios? Se eu não comprar hoje, o que acontece? Eu estou sendo influenciado nessa compra? Segundo o educador financeiro Reinaldo Domingos, se fazer essas perguntas toda vez que for comprar alguma coisa reduz em muito as chances de se comprar por impulso e contrair dívidas desnecessárias.
E muita gente jovem tem conseguido equilibrar as finanças. A advogada Nágila Farias, de 25 anos, é um exemplo disso. “Aprendi a economizar com minha mãe, que sempre controlou as contas em casa. Tento não comprar no cartão de crédito, nem usar o cheque especial, evitando, assim, o pagamento de juros”, diz ela, mostrando que já sabe de cor todos os ensinamentos dos especialistas. Todos mesmo!
“Mensalmente, faço uma planilha com todas as despesas: secretária do lar, escola, IPTU, contas de água, luz e telefone, além de mercado e outras despesas”, conta ela, que procura ter uma despesa que seja compatível com os salários dela e do marido. “Busco manter as despesas em sintonia com as receitas”, ensina.
O publicitário Felipe Gonzalez conta que também é organizado com suas finanças. “Recentemente investi num iPhone simplesmente por conta de um aplicativo que oferece detalhamento de gastos do mês, semana, dia, ano, etc, além de dividir os gastos por áreas como saúde, educação, transporte, investimento, poupança e alimentação”.
Segundo ele, isso ajuda a controlar e direcionar os gastos, excessos e economias. O exemplo, como o de Nágila, veio da mãe. “A partir do dia a dia, ela sempre me estimulou a estruturar os gastos com anotações, previsões, pagamentos, etc”, conta.
Em Santa Catarina, uma estudante de apenas 20 anos foi além. Jéssica dos Santos, aluna de Administração da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), contraiu um empréstimo de R$ 30 mil e abriu uma hamburgueria sofisticada em Florianópolis.
E deu certo! Com a ideia de fazer sanduíches diferentes para um público mais exigente, ela se inscreveu no 4º Concurso Estadual de Plano de Negócio para Universitários do Sebrae/SC e foi vencedora na categoria serviços, no final de 2011. Jéssica foi uma das estudantes que viajaram ao Vale do Silício, nos EUA, e conheceram empresas referências em inovação e tecnologia.
Por Priscila Chammas
Fonte: Correio*