O ar limpo que vale dinheiro

25 de abril de 2012

Entrada de fabricantes de cerâmica em mercado de crédito de carbono leva organização e profissionalização ao setor

O ano de 2004 foi crucial para a Romana, fabricante de tijolos e blocos de Presidente Epitácio, no interior de São Paulo. Naquele ano, a fiscalização de órgãos ambientais quanto à regularização do uso de madeira começava a apertar, e o preço da lenha – utilizada pela Romana para abastecer seus fornos – disparou. Foi quando o dono da empresa, José Éttore Fredi, foi atrás de outros materiais que pudessem também servir à queima e deu início à substituição da madeira por resíduos jogados no lixo por outras indústrias, como bagaço de cana e cavaco.

O que surgiu como uma necessidade logo se tornou um negócio extremamente vantajoso: Fredi descobriu que, com o que passou a economizar em derrubada de árvores e emissões de gases nocivos ao efeito estufa, poderia gerar créditos de carbono e vendê-los ao mercado. O investimento para isso, à época, não foi pequeno: R$ 500 mil para automatizar toda a produção e adaptar os 14 fornos ao uso do bagaço e do cavaco. Os ganhos, no entanto, foram maiores: só a arrecadação com as vendas de crédito já chegou a R$ 600 mil até agora, o que, além de cobrir o investimento inicial, tem valido uma série de melhorias para a empresa e seus 60 funcionários. Estão em construção um laboratório para testes e desenvolvimento de produtos, um refeitório, novos sanitários, uma sala de audiovisual para cursos e palestras e até um campo de futebol. Com as melhorias, a produtividade também subiu: o número de tijolos e blocos produzidos, um total de 650 mil peças mensais em 2007, chega hoje a 1.100 ao mês.

“Eu já conhecia o mercado de crédito de carbono, mas não achávamos que fosse uma coisa para nós”, conta Fredi. “Sempre li muito a respeito, mas ficava a impressão de ser um negócio complexo, voltado apenas para as grandes empresas.” Complexo, de fato, era. Mas a grande descoberta de Fredi foi que as empresas pequenas também poderiam ser capazes de fazê-lo.

Sua fábrica foi uma das primeiras cerâmicas do país a dar início ao processo de certificação dos créditos. A transformação por que passou reflete o que vem acontecendo na indústria da chamada cerâmica vermelha como um todo – aquela que produz tijolos, telhas e blocos para a construção civil. Formada por milhares de pequenas produtoras Brasil adentro, a indústria cerâmica sofre de um alto índice de informalidade e desorganização. Isso, no entanto, não impediu que o conseguisse se destacar no refinado comércio de carbono e, mais do que isso, tirar dessa experiência a própria profissionalização e organização de que carecia.

“Estamos falando de empresas que, em muitos casos, nunca tiveram controle nenhum de seus processos”, diz Dorli Martins, consultora de sustentabilidade do Sebrae-SP. “Mesmo que sejam formais, é muito comum que o pequeno empresário faça as coisas no olho, sem ter uma noção clara de quanto comprou, usou ou vendeu.” Daí a comercializar crédito de carbono é um salto tremendo. Trata-se de um mecanismo internacional, surgido em 1999 a partir do Protocolo de Kyoto, que, ao mesmo tempo em que obriga as grandes indústrias a reduzirem suas emissões, permite que comprem a cota de quem as tenha voluntariamente reduzido. Conseguir ingressar nele, além de partir do pressuposto de que a empresa já esteja totalmente regularizada, é um processo caro e demorado. Leva mais de um ano, exige investimentos de adaptação na produção, levantamento de documentação detalhada e auditorias frequentes até que se chegue ao cadastramento nas bolsas internacionais de venda – tudo de acordo com parâmetros regulados pela ONU.

“Crédito de carbono e mudanças climáticas são temas extremamente complexos”, afirma Brennan Duty, coordenador comercial da Sustainable Carbon, desenvolvedora de projetos especializada em meio ambiente e a entidade que centralizou, no Brasil, os principais projetos de crédito de carbono na indústria cerâmica. “Os produtores ficam desconfiados, não entendem ou simplesmente acham que não vale a pena.” O completo desconhecimento do assunto foi justamente a principal dificuldade encontrada pela Sustainable Carbon em sua empreitada, mas vem aos poucos sendo revertido.

Por Juliana Elias