Para fugir de carro usado, bancos aceitam renegociar dívidas

24 de maio de 2012

Em meio à ação do governo de reativar o crédito de veículos com a adoção de um novo pacote de estímulos, uma prática adotada pelas agências de cobrança, sob orientação dos bancos, mostra o quão complicada está a questão dos atrasos no segmento. A ordem do dia é espremer até a última gota uma negociação do cliente, recorrendo a diversas medidas de conciliação, antes de retomar o veículo. Vale até renegociar as condições da dívida, prática que era incomum em uma carteira com garantia real e que ajuda o banco a reduzir sua inadimplência.

“Os bancos têm mudado a orientação para uma política de conciliação com o cliente em atraso”, diz Leonardo Coimbra, sócio do Grupo Cercred, empresa de recuperação de créditos. O Cercred tem 70% de seus negócios em créditos de veículos e atende as principais instituições do segmento, como Itaú, BV Financeira e Omni Financeira.

A causa de tanta benevolência bancária está na depreciação dos veículos usados – quanto mais barato o usado, menos dinheiro o banco recupera com a retomada. Se não colocassem a renegociação na prática do dia, a inadimplência das carteiras, em 5,5%, seria mais alta ainda.

Como falta crédito especialmente para usados, esse mercado encalhou. E a situação não deve melhorar com as novas medidas no curto prazo. Analistas veem tendência de mais queda do preço do usado, na medida em que o pacote incentiva a compra financiada no zero quilômetro.

“Se o prazo dos empréstimos é alongado, o prazo da cobrança caminha no mesmo sentido”, diz José Romeu Roque, presidente da Associação Nacional das Empresas de Recuperação de Crédito (Aserc). Para ele, a queda na taxa Selic e do custo das linhas de empréstimo dos bancos vai levar a renegociação de dívidas a condições mais favoráveis para o devedor em atraso.

A reação ao pacote por parte dos bancos atuantes no segmento foi positiva. Banco do Brasil (BB) e bancos ligados a montadoras esperam expandir os financiamentos para aquisição de veículos atraindo, ao mesmo tempo, clientes com bom perfil de risco. Ao conquistar tomadores de crédito mais “conservadores”, o setor financeiro estaria assim afastando o risco de inadimplência. Os calotes crescem ininterruptamente desde o início de 2011.

O BB deverá disponibilizar um volume extra de R$ 2 bilhões para a concessão de financiamentos de veículos com a liberação do depósito compulsório, segundo os cálculos de seu vice-presidente de negócios de varejo, Alexandre Abreu. Ontem, o banco anunciou redução nas taxas de juro dos financiamentos de veículos novos e ampliou o limite do empréstimo para até 100% do valor do bem. Mas a dispensa de exigência de entrada vale para alguns casos. “Serão contemplados clientes com bom histórico de pagamento e carros com até um ano de uso”, ressalta Abreu.

Os prazos de financiamento não serão alterados. O limite continua sendo de 60 meses porque o fator de ponderação de risco (FPR) penaliza os empréstimos de prazo superior – uma das chamadas medidas macroprudenciais. Muitos especialistas acreditam que foram “facilidades” como prazo de até 72 meses, praticado há menos de um ano, que contribuíram para a alta da inadimplência.

Segundo Décio Carbonari, presidente da Anef, associação que reúne os bancos de montadoras, a redução do IPI incidente nos carros e do IOF sobre o crédito permitirá uma redução de 10,5% a 11% do valor da prestação, dependendo do prazo de financiamento. “O cliente de renda mais alta, que adiou a troca do veículo ano passado, deve se sentir atraído por essas novas condições”, diz.

Ainda que a redução de impostos, combinada à liberação de compulsório, aumente o universo de potenciais tomadores de crédito (inclusive os de renda mais baixa), a redução de taxa de juro, na avaliação de Abreu, do BB, diminui o risco de inadimplência. “Quando o preço da prestação cai, facilita o pagamento da dívida”, explica.

Abreu evitou falar sobre o Votorantim, instituição na qual o banco estatal detém 50% do capital e que tem puxado as provisões para devedores do BB. O executivo apenas ressaltou que o modelo de concessão do Banco do Brasil difere daquele do Votorantim porque as concessões são restritas a clientes, não estando disponível em revendas. “Ao conhecer o cliente, tenho condição de ser amais assertivo na disponibilização do limite.” O Votorantim, um dos líderes de mercado no financiamento de veículos, informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que ainda está avaliando o impacto das medidas nos negócios da instituição.

Otimismo do setor bancário à parte, há quem ache que o “remédio” aplicado pelo governo no setor automotivo não terá um efeito tão forte quanto na crise de 2008. Segundo Wermeson França, da LCA Consultores, não há uma demanda reprimida pela compra de veículos e o comprometimento de renda das famílias, que em 2008 e 2009 ficava em 18%, hoje está em 22%.

Por Felipe Marques e Aline Lima – Valor Econômico
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