Hoje, toda empresa se diz voltada para o cliente, mas a maioria ainda esquece de praticar o que prega. Por que isto ocorre? Por não se levar a sério a cultura orientada para o cliente. As queixas ainda são vistas como aborrecimento ou custo improdutivo, e aquele que reclama leva a pecha de “criador de caso”. Tais empresas não tratam de forma eficaz as reclamações recebidas. Nelas o cliente na prática ainda é visto como “mal necessário”. Isto decorre principalmente da pouca ou nenhum concorrência que tais empresas tinham em suas áreas de atuação, em que o cliente era refém do fornecedor.
Felizmente esta situação está mudando porque a competitividade e os níveis de exigência estão cada vez maiores, num mercado não monopolista, que disputa acirradamente o consumidor. Vão ficar para trás ou sair do mercado aquelas empresas que ainda não perceberam que a sobrevivência depende da satisfação dos clientes. Ou investem na melhoria contínua ou não vão se manter no mercado. Sobreviverão as que valorizam e respeitam o retorno de informações dadas pelo cliente.
As empresas têm que ter ciência de que não basta investir maciçamente em recursos tecnológicos e não capacitar adequadamente os recursos humanos. O CRM – Customer Relationship Management acaba sendo utilizado para dar tratamento especial para aqueles que constam do cadastro, e não se leva em conta o potencial daqueles que não estão no sistema. Para criar uma cultura de serviços é essencial envolver a liderança da empresa. Todos têm que se engajar no processo.
É preciso trabalhar a atitude, o bom senso, a linguagem não-verbal. As frases prontas em tom de “decoreba” não satisfazem o cliente insatisfeito, assim como as típicas desculpas “são normas da empresa”, “foi falha do sistema”. É preciso acima de tudo assumir uma postura de compromisso com o cliente. Falta demonstrar efetiva preocupação e afeto com o cliente, dando atenção, conforto, cortesia, bom humor, simpatia, sorriso, comunicação adequada. Não serão frases prontas de manuais de treinamento que vão garantir isto. A equipe do atendimento precisa estar convencida do valor de seu trabalho e obter resultado efetivo, para atender bem o cliente.
É muito importante um trabalho com os funcionários chamados de pontos de equilíbrio dentro da empresa, tais como guardas, recepcionistas, atendentes, telefonistas, operadores, etc. É preciso educar os funcionários antes de treiná-los em habilidades, com foco em relações humanas. Se eles falham, a empresa perde a chance de solucionar a questão antes de se transformar numa pendência em órgão de defesa do consumidor, com mais danos à sua imagem. Cabe à empresa se antecipar e evitar problemas que possam ser enquadrados como desrespeito ao Código de Defesa do Consumidor. Este é um diferencial no mercado que não se obtém por meios de campanhas promocionais ou pesquisas de opinião. Cabe a empresa estar atenta à sociedade e às suas mudanças, para , respeitando a demanda, antecipar soluções.
Cabe ao ouvidor/ombudsman mostrar às empresas como as reclamações podem servir como ferramenta estratégica, uma oportunidade para aprender coisas ainda ignoradas sobre seus produtos e serviços. É o profissional que vai mostrar a necessidade de agilidade na decisão sobre as mudança. Tudo que é recebido do cliente tem que passar por análises para detectar erros que, discutidos com a diretoria, resultem em soluções permanentes e não específicas para o caso reclamado.
O ouvidor , como representante do cliente , deve provar que não é por existir clientes que tentam explorar a empresa que se vai generalizar. Estima-se que não passa de 1,5% o número dos que tentam trapacear, tirar vantagem ao formalizar uma reclamação. Além do que, o canal de comunicação não serve apenas para ouvir lamúrias, deve ser um canal aberto para detectar as ansiedades, desejos e aspirações do consumidor, e para registrar valiosas sugestões para aperfeiçoar processos e produtos. Mas é preciso levar a sério a relação entre processo e serviço, para obter maior grau de satisfação dos clientes. Não se pode esquecer que o custo de um cliente insatisfeito é até dez vezes maior do que o de um satisfeito.
O cliente está dando uma oportunidade de melhoria quando procura a empresa e, desde que ela o ouça de um ponto de vista mais flexível, e não de forma superficial, como se faz na maioria dos Serviços de Atendimento ao Cliente, os resultados podem se compensadores.
É típico o atendente que de imediato responde ao cliente: “gostaria de ajudá-lo mas não posso fazer nada, é a política da empresa.” Ele não tenta se colocar no lugar do cliente. Essa infelizmente ainda é a postura percebida em muitas empresas dos setores de saúde, telefonia, automotivo, bancário e moveleiro. São áreas em que a remuneração da equipe de atendimento, por não ser das mais atraentes, leva a constante rotatividade. É um círculo vicioso que leva a empresa a questionar se vale a pena investir na capacitação se o funcionário provavelmente ficará por pouco tempo. Deveriam é investir mais nas pessoas, garantindo a permanência delas na empresa e deixar de encarar como gasto.
Por que gerenciar as reclamações? Por que elas são um dos meios mais diretos e eficazes de os clientes informarem que há espaço para melhoria. Essas informações podem ser usadas como ferramenta estratégia para gerar mais negócios. Esse cliente que reclama deve ser visto como parceiro para melhoria, pois ele permite que se capte rapidamente as mudanças de interesse do consumidor. Clientes que reclamam e são bem tratados podem tornar-se aliados capazes de identificar práticas internas que criam entraves para o bom desempenho da empresa.
Mas onde pecam as empresas que já têm atendimento ao cliente? Elas não utilizam de forma adequada as informações recebidas. Acaba funcionando mais como um “cala boca”. É caso por exemplo do cliente que se queixa de um iogurte estragado e ao invés do resultado da análise e informações sobre as providências adotadas para que tais problemas não se repitam, recebe em casa um caixa inteira de produtos fabricados pela empresa, numa estratégia de marketing errada.
Não se pode esquecer que aqueles que se dão ao trabalho de se queixar ainda têm alguma confiança na empresa. Por isto deve se encorajar as reclamações. Até porque de cada 100 reclamações formais há um potencial de 2 mil clientes da área de serviços insatisfeitos. Um cliente insatisfeito conta para uma média de 8 a 10 pessoas sobre o mal atendimento recebido, e um em cada 5 chegam a contar para 20 pessoas. Só um exemplo. Quantos efetivamente reclamam da longa espera na fila do banco, ou da porta que trava na entrada mesmo retirando todos os metais que se carrega?
As reclamações chamam a atenção para defeitos em produtos, deficiências em serviços e falhas do pessoal do atendimento, que de outra forma poderiam ser percebidos tardiamente, retardando providências para redução de prejuízos. Cabe à Ouvidoria funcionar como canal de informação desburocratizado, que permita agilidade no tratamento das informações, e adoção das sugestões recebidas. O ouvidor é o profissional que vai provar para a empresa que a chave para bons serviços está no interior da organização e não só na linha de frente.
Há empresa que estabelece meta de redução de reclamação. Isto pode não ser um bom negócio, pois pode induzir a mascarar números só para cumprimento da meta. Pode se camuflar problemas. Um exemplo é limitar canais de acesso para queixas, ou exigir que a reclamação seja formalizada por escrito ou pessoalmente. Há empresas que desestimulam os reclamantes insistindo para que escrevam ao invés de telefonarem, ou cujo ouvidor não atende pessoalmente. Dessa forma não se faz um trabalho sério.
Sem mobilização para sensibilização de todos os funcionários é praticamente impossível manter clientes fiéis. A empresa tem que atuar para transformar o funcionário num parceiro e promover uma comunicação eficaz. O funcionário do setor de atendimento ao cliente tem que deter a maior amplitude possível de informações, e ter comprometimento com a qualidade. Trata-se na verdade uma corrente em que todos os elos precisam funcionar, cada um precisa estar fortalecido e interligado.
Antes os clientes reclamavam de forma ordenada e em privacidade, com a internet, uma reclamação é repassada em forma de “corrente”, multiplicando em muito a imagem negativa da empresa. O estrago que um único consumidor irado pode produzir hoje é imenso. O alcance da internet permite às pessoas comunicarem-se entre si de um modo nunca antes imaginado.
Por Vera Lúcia Ramos*
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* Vera Lúcia Ramos é Jornalista. Foi Ouvidora Externa da Fundação Procon-SP, entidade onde atuou por dez anos. Co-autora da coletânea “A Ouvdoria no Brasil” e “Gestão Participativa”, editado pela FIA-USP. Atualmente, Vera Lúcia Ramos é docente dos cursos de capacitação de ouvidores e consultora da de gestão da qualidade além de diretora administrativa e financeira da Associação Brasileira de Ouvidores (ABO), da qual é sócia-fundadora.