Nunca se falou tanto de responsabilidade social. Suponho que nunca, no Brasil, também nunca tenha se falado tanto sobre empreendedorismo. Apesar de essas duas tendências andarem, em teoria, muito juntas, não é o que vejo na prática.
Muita empresa grande comprando créditos de carbono, outras tantas se tornando amigas das crianças, muitas promovendo eventos e a maioria buscando arrumar qualquer atividade que as credenciem, aos olhos dos clientes, como uma empresa gente boa, cuidadosa e responsável, nem que seja incentivando os colaboradores a reciclar seu lixo em casa. O problema é que essa postura ambientalmente e socialmente responsável muitas vezes é só para se exibir e poder vender mais. Há, sim, iniciativas louváveis e reconhecidas, mas é preciso que mais empresas estejam dispostas a fazer o correto quando isso implica aumentar custos ou reduzir potencial de receitas.
Eu sou uma mulher engajada em algumas causas, e uma delas é a da publicidade dirigida às crianças. Recentemente, em uma audiência pública em Brasília, empresas que vendem de produtos de limpeza a brinquedos, de carros a produtos de papelaria e, em especial, as agências de publicidade, defenderam sem muitos argumentos o direito que as empresas têm, em defesa do lucro, de anunciar e manipular crianças com propagandas que mostram animais bonitinhos que limpam privadas, bonecas de plástico que no vídeo têm vida própria (até parece minigente!) e que anunciam carros com apresentadores carismáticos, tudo isso no meio da manhã, no intervalo entre um desenho e outro.
Bastaria o bom senso para que as empresas evitassem envolver as crianças no processo de convencimento das famílias na compra de seus produtos. Se isso não bastasse, temos ainda o Estatuto da Criança e do Adolescente, que afirma que a criança deve ser preservada. Mas, enfim, a ética, na maioria dos casos, para assim que é preciso realmente cortar na carne, na hora que é preciso abrir mão de algo que beneficia seu negócio. E assim vamos, com funcionários cujas horas extras não são remuneradas, com material de má qualidade ou poluente usados nos produtos, entregando menos do que foi prometido, mentindo, dando jeitinho, pagando propina e outros pequenos hábitos que muitos tentam esconder com uma ou duas ações de grande impacto na mídia que as apresentem como empresas bem limpinhas.
Ética não é só para os outros, não depende de tamanho, de verba nem de exibição ou publicidade. Os empreendedores têm grande impacto na mudança da sociedade, e é preciso assumir com alegria e senso de dever esta incumbência e fazer tudo o que deve ser feito com respeito. Menos selos, menos marketing e mais atitudes íntegras são o que a sociedade precisa receber de nós.
Por Raquel Marques*
Imagem: rafaellabritto.blogspot.com
*Raquel Marques tem uma história como sócia em duas empresas. Seu desafio é equilibrar as demandas de família e a SocialBureau, que é financiada por bootstrapping, ou seja, somente por seu fluxo de caixa.