Todo mundo comete algum pecado quando se trata de administrar a própria grana. Confira as recomendações de especialistas para amenizar pequenas transgressões
Atire a primeira pedra quem nunca cometeu um pecado quando o assunto é dinheiro. Pode ser a inveja de alguém que tem um investimento que rende mais do que o seu ou a vontade de comprar muito, mas muito mesmo, sem conseguir se controlar. Os sete pecados capitais — gula, avareza, luxúria, ira, inveja, preguiça e vaidade — fazem parte do cotidiano e todo mundo pode pecar em algum momento da vida.
A origem deles é antiga, surgiram no século 6, quando o papa Gregório Magno (540-604 d.c.) deu origem à lista dos sete pecados capitais, usando como referência as cartas do apóstolo Paulo, escritas durante suas visitas religiosas às comunidades coríntia e romana. No século 13, a igreja católica reconheceu oficialmente esses pecados como infrações de caráter do homem. no mundo das finanças, os problemas começam quando esses pecados prejudicam sua relação com o dinheiro.
Com a ajuda de nove especialistas em finanças pessoais, você vai aprender como fugir dos deslizes que podem comprometer seu planejamento financeiro e a realização dos seus sonhos.
Gula por tecnologia
Quando a Apple anunciou a abertura de sua loja de músicas e filmes no Brasil, a iTunes Store, o engenheiro civil Luiz Augusto Pacheco, de 30 anos, pressentiu que teria problemas. Entre os sete pecados capitais, ele sempre comete o da gula. Nesse caso, a gula é a sua voracidade por comprar produtos tecnológicos.
“Na primeira semana, gastei 300 dólares comprando músicas.” O sócio da Inva Capital, empresa de investimentos, em Curitiba, Paraná, sempre foi aficionado de tecnologia. Quando era adolescente teve mais de 100 jogos para videogame. Hoje, ele tem todos os produtos da Apple e já comprou a recém-lançada Apple TV. Sabendo que sua tentação são produtos eletrônicos, Luiz faz um orçamento mensal que prevê a compra desses produtos.
Quando o assunto é finanças pessoais, o pecado da gula pode ser comparado ao consumo em excesso. Quem tem gula por compras, provavelmente, é mais suscetível a cair no endividamento para adquirir imediatamente o que deseja. “Antes de cometer esse pecado é preciso perguntar: eu realmente preciso comprar isso agora?”, diz Ricardo Fairbanks, consultor da Dinheiro em Foco, em São Paulo.
Quem decide que quer comprar um carro zero-quilômetro sem ter dinheiro vai pagar juros altos. É o custo da gula. Um automóvel que vale 35 000 reais, parcelado em 60 prestações, com juros de 1,5% ao mês, vai custar 46 208 reais quando você terminar de pagá-lo. Sendo que 11 208 reais serão gastos apenas com juros. Mas o pecado da gula também pode se manifestar na hora dos investimentos financeiros.
O guloso sempre pensa nos ganhos rápidos e muda de aplicação sem considerar que pode perder grana. “Ele acha que não corre nenhum risco”, diz a psicóloga Vera Rita de Mello Ferreira, representante no Brasil da Iarep (associação internacional de pesquisas em psicologia econômica, na sigla em inglês). Esse perfil é o mais propenso a cair em fraudes financeiras.
A proporção de avarentos no país é muito maior do que se imagina. De cada 100 pessoas, pelo menos 20 preferem guardar o dinheiro em investimentos seguros e não comprar nada, segundo levantamento feito por Raphael Cordeiro, consultor financeiro, em Curitiba, Paraná.
Os avarentos adiam o consumo, não se permitem gastar nada além do planejado e, quando decidem investir, optam pela poupança. “Eles acreditam que estão guardando dinheiro, mas na verdade estão perdendo oportunidades de ver a grana aumentar em outras aplicações mais rentáveis”, diz Raphael. Uma boa solução é começar a diversificar os investimentos, colocando uma parte em renda fixa e um pequeno percentual, 20%, em ações.
A determinação de não gastar pode fazer com que os avaros façam negócios financeiros ruins. “Eles negociam tanto a redução das taxas de investimento que ficam com poucos serviços prestados pelas corretoras”, afirma a economista Alexandra Almawi, da Lerosa Investimentos, em São Paulo. Uma solução para equilibrar a vida dos avarentos é recorrer ao planejamento financeiro. Com os objetivos definidos, fica fácil gastar grana com um carro novo sem sentir culpa.
Os luxuriosos gostam de ostentar produtos caros e requintados. “A ideia de consumir para ter status é frustrante porque é um caminho sem fim”, diz Jurandir Sell Macedo, consultor de finanças pessoais e professor da Universidade Federal de Santa Catarina. A luxúria é tão presente no mundo das finanças que o economista americano Thorstein Veblen fez vários estudos até sua morte, em 1929, e concluiu que o único objetivo do consumo é a ostentação.
Para ele, a acumulação de dinheiro e de bens materiais é menos uma necessidade e mais a busca de uma posição de honra na sociedade. É claro que todo mundo gosta de mostrar para o amigo o carro novo ou a roupa da moda, o problema é quando a busca do prazer do consumo é a única razão da vida.
Eles não conseguem adiar essa busca e, por isso, geralmente, ficam endividados e investem pouco. Nesse caso, a solução é não gastar mais do que se ganha. “Mas, quando os luxuriosos decidem investir, preferem ser mais agressivos”, diz Rogério Bastos, diretor da consultoria de investimentos FinPlan, em São Paulo. No entanto, a meta é ter a máxima rentabilidade para financiar seus caprichos, que são bem caros.
A preguiça é o pior pecado capital. No mundo das finanças, o preguiçoso é o principal candidato a perder dinheiro. É ele quem costuma deixar as prestações atrasar por preguiça de ir ao banco quitá-las. Com isso, paga juros. Uma alternativa, nesse caso, é recorrer ao débito automático.
Ele também costuma pagar mais caro nas compras porque prefere as lojas de conveniência, onde os produtos têm preços maiores. O preguiçoso pode deixar o dinheiro parado na conta-corrente ou aplicar apenas na poupança porque tem preguiça de escolher outro investimento. Quem colocou 50 000 reais na poupança em janeiro de 2011 chegou ao fim do ano com um ganho de 3 600 reais, considerando uma rentabilidade nominal de 7,20%.
Já quem perdeu um pouco mais de tempo, pesquisou investimentos e aplicou os mesmos 50 000 reais em um fundo de renda fixa, com juros de 12% ano, taxa de administração de 1,5% e Imposto de Renda de 15%, ganhou 4 462,50 reais. “A diferença parece pequena, mas ao longo do tempo esses valores aumentam muito o saldo total”, diz Rogério Bastos, consultor da FinPlan, em São Paulo. Conheça seus desejos e trace um planejamento para realizá-los.
Adeus, preguiça
A disposição que o empresário paulistano Emiliano Felipe Pedro, de 37 anos, tinha para fazer atividades circenses não se refletia na necessidade de cuidar do dinheiro. “Até os 30 anos, eu só gastava, tinha preguiça de pensar em investimentos.” A situação mudou depois de viver quase cinco anos em Londres com a mulher, Rachel.
Lá, os dois participavam de uma companhia de circo e recebiam cerca de 3 000 libras por mês. “Percebemos que a libra valia muito mais do que o real e começamos a poupar”, diz. Quando voltou ao Brasil, tentou montar um grande empreendimento, que não deu certo. Depois, abriu uma agência que produz espetáculos artísticos, a TrixMix, e fez um curso de finanças pessoais.
Hoje não perde tempo quando o assunto é cuidar da sua grana. Ele mantém 40% do patrimônio em títulos do governo comprados por meio do Tesouro Direto e o restante vai para ações e fundos imobiliários.
Mesmo quem não quer confessar sabe que lá no fundo sente inveja de alguém ou de alguma coisa. “A inveja é quando você compra o que não precisa, com o dinheiro que não tem, para causar uma boa impressão em quem você não gosta”, diz o consultor financeiro Mauro Calil, da Calil & Calil, de São Paulo.
Se é assim, é natural que os invejosos acabem consumindo mais do que podem para ostentar o mesmo carro ou a mesma roupa de um amigo ou parente. “Uma das grandes molas do consumo do mundo moderno é a inveja”, diz Jurandir Sell Macedo, consultor de finanças pessoais.
No lado dos investimentos, a inveja é bastante presente e uma das causas do efeito manada do mercado financeiro. Essa é a dominação do fenômeno que ocorre quando algumas pessoas começam a ganhar dinheiro na bolsa e várias outras entram no mercado, como uma manada, para ganhar também.
A mesma coisa acontece quando a bolsa despenca. O problema é que quem age dessa forma deixa de lado seus objetivos e sua estratégia de investimentos. “Se espelhar em alguém pode até ser saudável, se não for uma obsessão”, diz Andre Novaes, presidente da Life Finanças Pessoais, em Campinas, no interior de São Paulo.
Tem gente que fica muito vaidosa em contar aos amigos que suas aplicações financeiras estão rendendo bem mais do que a média do mercado financeiro. Provavelmente, são pessoas bastante vaidosas. “Finanças pessoais é assunto particular. Você não deve falar com ninguém sobre elas no clube ou no restaurante”, diz Rogério Bastos, consultor da FinPlan, em São Paulo.
A vaidade, quando não está controlada, pode fazer com que você opte pelo consumo excessivo no presente e deixe de pensar no futuro. Para escapar da cilada dos gastos desenfreados, a dica dos especialistas é recorrer ao planejamento financeiro. “Ele vai ajudar a balizar seus gastos de forma eficiente”, diz Marcos Silvestre, consultor de finanças pessoais. Se na vida as mulheres são mais vaidosas do que os homens, no mundo financeiro eles é que pecam mais.
“A mulher é mais cuidadosa na hora de escolher seus investimentos e busca muitas informações. Já a vaidade masculina faz com que os homens acreditem que conhecem tudo e invistam com pouca informação. O risco de perder dinheiro nessas condições é grande”, diz a economista Alexandra Almawi, da Lerosa Investimentos.
A bolsa de valores caiu 18% no ano passado e, provavelmente, você deve ter ouvido a história de alguém que investiu em ações, perdeu muita grana e decidiu nunca mais voltar para o mercado de capitais.
Provavelmente, essa pessoa está cometendo o pecado da ira. Quando alguém está irado, não avalia os riscos de um investimento, age impulsivamente e, nesse caso, a possibilidade de perder dinheiro é grande.
Outra situação comum em que o pecado da ira aparece é durante o divórcio. “Nessa hora, quem está com raiva quer tirar todo o dinheiro do ex-cônjuge”, diz Ricardo Fairbanks, consultor da Dinheiro em Foco, em São Paulo. É comum que os irados prefiram as aplicações financeiras que rendam mais — eles são investidores arrojados. Nesse caso, o melhor jeito de amenizar a ira é fazer a diversificação dos investimentos.
Outra opção é criar uma carteira resistente às oscilações, comprando ações de companhias que atuem em setores correlacionados, como exportadoras e importadoras. Quando as importações crescem, o investidor ganha porque as ações estão em alta. Quando o fluxo da balança comercial muda, ele continua ganhando, só que com a alta das exportações.
Por: Chrystiane Silva
Disponível em: http://vocesa.abril.com.br