Fazer o bem compensa?

24 de dezembro de 2012

SIM.

E a recompensa pode ir muito além do sorriso do garoto do lado…

 

O negócio da Microsoft é fazer programas para computador. Mas nos próximos cinco anos a empresa deve doar 200 milhões de dólares para abastecer bibliotecas públicas americanas com softwares educacionais.

  • Vender o maior número possível de batons e perfumes é a essência da Avon, maior empresa mundial de cosméticos. Mas, ao redor do mundo, milhões de revendedoras da marca ajudam a prevenir o câncer de mama ou colaboram para que mulheres ingressem no mercado de trabalho.
  • Vender os produtos O  Boticário, é sua maior meta, porém esta empresa nacional,  em 1990 criou a fundação O Boticário de Proteção a natureza(FBPN) sem fins lucrativos , doando valores para administração e conservação de áreas verdes, Mata Atlântica, Pantanal e outros, com proteção a vida silvestre, e reconhecimento da Unesco. Até hoje foram aplicados U$$3,9 milhões em 655 projetos beneficiando 195 instituições e lógico, nosso país.
  • Os valores, e posturas da C&A, outra das empresas brasileiras mais admiradas por sua atuação social. O programa Capacitar atende a 100 entidades que reúnem 30.000 crianças e adolescentes de São Paulo. Não está ligado a nenhum governo, mas sim a admistração eficaz e voluntariado d e participação de todos os funcionários.O dinheiro investido na formação desses educadores vem de uma empresa cujo foco há mais de um século é vender roupas a famílias e – principalmente – para jovens da classe média.
  • Laboratório Abbott sobrevive, em grande parte, graças à venda de medicamentos usados no combate à Aids. Mas mantém um programa de educação e prevenção da doença com adolescentes de escolas públicas americanas. Seu investimento em programas de filantropia superam os 50 milhões de dólares ao ano.

Sejamos honestos: ninguém cria ou administra um negócio para fazer caridade. Não se encontra nenhuma madre Teresa de Calcutá sentada à frente de uma grande corporação. Atrás delas, há pessoas como Douglas Ivester, atual presidente mundial da Coca-Cola, e Ray Kroc, fundador do McDonald’s. Gente que acredita que se deve colocar uma mangueira na boca do concorrente que está se afogando. Parece duro demais, não é? Bem, é assim que funciona o mundo dos negócios. O objetivo principal de uma empresa sempre foi e continuará sendo dar lucros cada vez maiores a todos os interessados. Não há nada de errado nisso. Empresas de sucesso geram riqueza, criam empregos e pagam impostos que são (ou deveriam ser) revertidos para o bem-estar da sociedade. Mas será que, hoje, o mercado e a sociedade se contentam com isso?

Não. É por isso que gente como Ivester, da Coca-Cola, investe cada vez mais em cidadania empresarial. O mundo corporativo nunca esteve tão disposto a fazer o bem quanto hoje. Os americanos, conhecidos por seu espírito filantrópico, investem cerca de 150 bilhões de dólares por ano a instituições sem fins lucrativos. (Há 600 000 delas espalhadas pelos Estados Unidos. Vão desde a Cruz Vermelha até a Dogs Against Drugs, uma entidade que usa cachorros para combater as drogas nas escolas.) Desse total, cerca de 11 bilhões saem das corporações. Segundo a Business & Community Services, empresa de consultoria em filantropia corporativa sediada em Palo Alto, na Califórnia, as companhias americanas investem, em média, 1% de seus lucros brutos em ações sociais. Colocam dinheiro em causas que – à primeira vista – nada têm a ver com seus negócios e que não vão agregar um centavo sequer aos dividendos de seus acionistas e aos bônus de seus executivos.

Fazer o bem compensa?

“Compensa. E muito”, disse a EXAME a americana Dori Ives, presidente da Business & Community Services (dori@bizgive.com). “Participar da comunidade vai ser fundamental para as empresas que quiserem fazer a diferença daqui para a frente.” A Business & Community Services é responsável pela elaboração de programas sociais para empresas como a Netscape, a Visa e a Johnson & Johnson. Seus acionistas até querem um lugar no reino dos céus. Mas querem também a preferência do consumidor, o respeito dos clientes e a admiração de seus funcionários.

IMAGEM – Hoje, qualidade, serviços, preços de padrão mundial e marketing inteligente deixaram de ser diferenciais. Ou você tem ou está morto. É preciso possuir tudo isso e ainda fazer com que as pessoas gostem de sua empresa, se identifiquem com sua marca, tenham satisfação, orgulho em trabalhar no seu negócio. Talvez isso explique por que a ação social tenha se tornado uma febre nos Estados Unidos nos últimos tempos. Em 1997, as empresas pagaram cerca de meio bilhão de dólares apenas pelos direitos de patrocínio de campanhas que incluíram desde ação de combate à Aids até o financiamento de unidades do corpo de bombeiros. Estima-se que nos próximos três anos esse número dobre. “Você não terá lucros decentes, a menos que seja socialmente responsável”, disse Lesa Ukman, presidente da IEG, empresa de marketing de Chicago, numa recente entrevista à revista americana Time.

Diante desse cenário, fica evidente a seguinte constatação: não basta fazer o bem. É preciso mostrar que ele é feito. A velha máxima que determinava o silêncio na hora de fazer filantropia deixou de fazer sentido. Segui-la não traz resultados completos.

Pode parecer heresia falar em fazer o bem e, ao mesmo tempo, esperar por resultados no mundo dos negócios. Não é. Essa pode ser uma típica relação ganha-ganha. Em tempos em que governos diminuem de tamanho, as empresas podem desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento da sociedade. A filantropia corporativa ainda é algo incipiente no Brasil. Sua empresa pode doar um cheque a um orfanato no Natal ou fazer uma doação a um asilo de velhos. Mas ela tem uma estratégia, uma causa que mereça seus recursos e o envolvimento de seus funcionários? As 40 empresas e institutos ligados à Gife, associação que reúne corporações engajadas socialmente, investem apenas 300 milhões de dólares ao ano em programas sociais. Dados da consultoria Kanitz & Associados, de São Paulo, mostram que as 500 maiores empresas do país gastam 2,8 bilhões de dólares com segurança patrimonial e de seus executivos por ano. “Ou essa balança muda ou as empresas terão de investir muito mais em segurança daqui para a frente”, diz Stephen Kanitz, sócio da consultoria.

A 20a maior fundação brasileira possui um patrimônio de 100 000 dólares. Sua correlata americana tem um patrimônio 10 000 vezes maior. A Fundação Bradesco, maior entidade filantrópica ligada a uma corporação do país, conta atualmente com um patrimônio de 700 milhões de dólares. Suas 36 escolas abrigam 97 000 alunos de primeiro e segundo graus. Este ano, a fundação vai investir 84 milhões de dólares no projeto. “Há enormes oportunidades para as empresas que tiverem uma postura de integração e participação na comunidade”, diz Luiz Carlos Merege, coordenador do Centro de Estudos do Terceiro Setor da Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo. “Os consumidores estão cada vez mais seletivos. Entre uma empresa engajada e outra voltada para si própria, eles vão ficar com a primeira.”

Você pode estar se perguntando agora quantos batons a Avon vendeu a mais por ajudar a prevenir o câncer de mama. Ou quanto as ações da Microsoft subiram nas bolsas devido ao programa de doações de softwares para bibliotecas públicas. Resposta: não é assim que as coisas funcionam. Filantropia não é promoção de vendas. É uma questão de postura e de valores , ética da corporação. Você acha que é possível uma empresa pregar o bem e tratar a pontapé seus funcionários? “O bem tem de ter um propósito verdadeiro. Não fazemos filantropia para vender mais camisetas”, diz Antonio Carlos Martinelli, presidente do Instituto C&A de Desenvolvimento Social. “Mas temos certeza de que a imagem de nossa empresa sai fortalecida e com valor perante o nosso colaborador, o consumidor e a sociedade.”

 

DISCURSO – A C&A, rede de 61 lojas de roupas espalhadas pelo país, criou seu instituto há sete anos com um objetivo estratégico: educar crianças e adolescentes. “Tem tudo a ver com a prestação de serviços, que é o que sabemos fazer melhor”, diz Martinelli. Este ano, a empresa está investindo 4 milhões de dólares em programas de apoio a mais de 80 creches, escolas e centros de educação continuada. São cerca de 50 000 crianças e adolescentes atendidos.

Calcula-se que outro milhão de dólares seja aplicado em tempo que 800 de seus funcionários dedicam como voluntários dessas instituições. Uma vez por semana, eles são liberados para brincar com as crianças, ajudar na gestão e avaliar resultados. E o que se ganha além de uma possível satisfação pessoal em ajudar a sociedade? Há alguns meses, os executivos da C&A foram procurados por representantes do governo de Florianópolis, em Santa Catarina. Eles propunham a doação de um terreno para a instalação da primeira loja C&A na cidade. Queriam por perto uma empresa que tivesse um trabalho social como o do instituto. (A C&A só desenvolve atividades filantrópicas em cidades onde suas lojas já estão instaladas.)

A empresa nunca fez propaganda ostensiva de suas ações filantrópicas. Mas, em fevereiro deste ano, o presidente Fernando Henrique Cardoso citou o Instituto C&A como um exemplo a ser seguido pelo mundo dos negócios. “Ninguém estava pensando em coisas desse tipo quando se tomou a decisão de organizar o instituto”, diz Martinelli. “Elas acabam acontecendo espontaneamente.” A Copesul, fabricante de matérias-primas do Pólo Petroquímico de Triunfo, no Rio Grande do Sul, investe cerca de 1,5 milhão de dólares por ano em projetos sociais. Patrocina abrigos para menores de rua e sua reintegração à escola e adota colégios públicos. Fazendo isso, a Copesul não quer cativar novos consumidores. Crianças não compram seus produtos químicos. Nem seus pais ou professores.

A empresa quer, sim, ser bem-vinda pela comunidade. Empresas químicas costumam ser temidas pela possibilidade de desastres ambientais. “Temos que mostrar à comunidade que somos uma companhia idônea”, diz Luiz Fernando Cirne Lima, superintendente da empresa. A lógica da Copesul é mais ou menos a mesma da empregada por laboratórios como o Abbott e o Merck. Suas campanhas de saúde e de distribuição de medicamentos ajudam a amenizar a sensação de que laboratórios só podem ser bem-sucedidos se as doenças existirem. Nos Estados Unidos, as corporações têm incentivado programas de voluntariado entre seus funcionários a fim de tentar desfazer o sentimento de descrença no mundo dos negócios provocado pelas ondas de downsizing, fusões e aquisições e fechamento de fábricas ocorridas nos últimos anos.

Quanto isso vale?

Ganhos desse tipo são difíceis de mensurar. Mas experimente fazer o contrário. Uma empresa socialmente incorreta pode passar do céu ao inferno em questão de dias. Talvez o caso mais evidente disso seja aquele protagonizado pela Nike, alvo da idolatria dos adolescentes americanos na década de 90. No ano passado, as denúncias de exploração do trabalho infantil em fábricas da Ásia recrudesceram. Phil Knight, presidente da Nike, foi chamado de explorador de criancinhas por ativistas dos direitos humanos. A Candie’s, uma pequena fabricante de sapatos femininos, colocou anúncios em emissoras como a MTV alterando o slogan da Nike de “Just Do It” (Faça) para “Just Screw It” (Ferre).

Uma pesquisa recente dos institutos americanos Cone Communications e Roper Group mostrou que 86% dos consumidores preferem marcas e produtos envolvidos com algum tipo de ação social — desde que eles tenham preço e qualidade competitivos.Esta consciência aumenta a cada dia.

Em 1993, eles eram apenas 66%. Em Wall Street, um índice de cotações acompanha as ações de 400 empresas consideradas socialmente corretas ou que exercem sua cidadania empresarial de forma efetiva. Atualmente, alguns fundos de pensão proíbem seus administradores de investir em empresas que não tenham um projeto de filantropia. Isso é uma questão de fazer o bem. E também é uma questão de negócio. “Todo mundo quer parecer bom”, diz Dori Ives, da Business & Community Services. “É por isso que a todo momento um cartão de crédito é usado para ajudar a combater, por exemplo, a fome no mundo.” Você agora pode estar pensando: ora, os consumidores americanos são muito diferentes dos brasileiros. “Num mundo globalizado, seus clientes podem estar aqui ou em qualquer lugar”, diz o empresário Sérgio Mindlin, presidente do conselho de administração da Fundação Abrinq, que reúne empresas engajadas na erradicação do trabalho infantil. “Não espere que um consumidor alemão ou americano vá comprar qualquer coisa cuja produção tenha utilizado trabalho infantil ou contribua para a extinção de florestas. Fazer o bem transformou-se numa vantagem competitiva.”

Essa é a parte mais visível do que o bem pode fazer às corporações. Pelo menos em uma coisa o trabalho em orfanatos, asilos, escolas e empresas se parece: em todas elas não se vai muito longe sem que as pessoas realmente estejam motivadas a atingir um objetivo, a cumprir uma missão. Com a palavra, Peter Drucker, o guru dos gurus da administração moderna: “Na área mais vital de uma empresa — motivação e produtividade do pessoal que trabalha com conhecimentos –, as organizações sem fins lucrativos são verdadeiras pioneiras, elaborando as políticas e práticas que as empresas terão de aprender amanhã”.

Drucker é um defensor ferrenho da integração empresa-entidades filantrópicas. Por uma simples razão: as duas partes teriam muito a ganhar. De um lado, as corporações transmitem conceitos como avaliação de resultados, estabelecimento de metas, foco, parcerias estratégicas. De outro, creches, orfanatos e asilos podem dar uma aula de como fazer mais com menos, motivação, foco e trabalho em grupo. Em abril, a revista americana Forbes publicou uma matéria mostrando como o Exército da Salvação, uma das maiores entidades filantrópicas do mundo, dá lições de gestão, marketing e entusiasmo pelo trabalho.

“Nossos funcionários descem corredeiras em barcos e vão para o meio de florestas em programas de motivação. Mas pouca coisa motiva tanto quanto trabalhar aqui.” O francês Jean-Marie Monteil, presidente da AGF Brasil Seguros, diz isso em meio a uma pequena horta. De lá saem legumes e verduras que vão ajudar a abastecer a cozinha da creche da favela Engenheiro Goulart, na Zona Leste de São Paulo. Há cinco anos, a creche para 200 crianças e uma escola de alfabetização para adultos são mantidas pela AGF e pela associação dos funcionários da empresa. O investimento é de pouco mais de 10 500 dólares por mês. Mas isso não é o mais importante.

Nos finais de semana, funcionários e executivos se reúnem para pintar paredes, arrumar jardins e verificar os resultados do projeto. “Exercitamos o trabalho multidisciplinar. Um diretor pode atuar lado a lado com um office-boy”, diz Monteil. “Isso é importante para a melhoria da nossa integração na empresa.” O que faz com que funcionários se tornem mais motivados pelo simples fato de ajudar alguém? “As pessoas querem uma identidade corporativa, uma causa comum que vá além de vender parafusos”, diz Wagner Gattaz, chefe do departamento de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. “O ser humano se sente seguro quando pode ajudar outras pessoas.”

 

MBA – É em torno dessas causas comuns que costumam surgir os líderes, ativos cada vez mais procurados pelas corporações. Observe um grupo de voluntários consertando um telhado de um orfanato ou organizando a distribuição de alimentos a uma população carente. Trata-se de um ambiente em que o relacionamento, a motivação e a busca de parcerias são vitais. (Quantas vezes você já ouviu falar desses conceitos em sua empresa?) O irlandês Charles Handy, definido pela revista Fortune como um filósofo do mundo dos negócios e da administração, defende que o Terceiro Setor (como é chamada a área de assistência sem fins lucrativos) se transformará no futuro num celeiro de lideranças para as empresas. “Enquanto uma empresa não abraçar uma causa maior e mais abrangente do que o enriquecimento dos acionistas, terá poucos líderes de peso”, diz Handy. “O Terceiro Setor poderá ser o local de treinamento empresarial e talvez político.”

Pregação vazia?

Há cinco anos, a Harvard Business School criou cursos de MBA voltados para empreendimentos sociais. O objetivo é formar espécies de missionários dos negócios. Nos Estados Unidos e no Brasil, os consultores da Coopers & Lybrand são avaliados por sua capacidade de gerar novos negócios, relacionamento interno… e participação em projetos comunitários. “Ao ajudar a comunidade, nossos consultores precisam colocar em prática uma de suas mais valiosas habilidades”, diz Olga Copco, sócia da subsidiária brasileira da Coopers & Lybrand e responsável pela área de consultoria. “Eles se tornam verdadeiros educadores. É desse tipo de profissional que precisamos.”

Dos 800 funcionários da C&A que participam das atividades do instituto, vários já foram promovidos a cargos de gerência por demonstrarem aptidão para liderança. Em abril deste ano, a Hewitt, uma das maiores consultorias mundiais em recursos humanos, fez uma pesquisa com 336 empresas americanas. Resultado: 12% delas mantinham programas especiais de participação de funcionários em programas de voluntariado. A Xerox, por exemplo, permite que até 12 de seus funcionários passem um ano fora da empresa dedicando-se à filantropia. Seus salários são pagos integralmente durante esse período. A Wells Fargo, uma das maiores companhias financeiras americanas, tem um programa semelhante. “Aprendi o que era atendimento ao consumidor num asilo de velhos”, diz Luís Norberto Pascoal, presidente e acionista da DPaschoal, maior rede de revendas de pneus do país. Aos 9 anos, Pascoal recebeu de seus pais a missão de distribuir fumo de corda aos velhos de uma entidade localizada em Campinas, no interior de São Paulo. “Achei que se comprasse o fumo picado agradaria a todos. Foi um desastre”, diz ele. “Cortar o fumo era um passatempo para os velhos. Aprendi que não se pode dar ao cliente aquilo que ele não quer.”

ORGULHO – Mas é provável que a mais poderosa razão para que as empresas façam o bem seja outra, além das benesses do mercado, do treinamento e da possibilidade de descobrir líderes: orgulho. “Em algumas companhias os funcionários se sentem especiais pelo simples fato de estarem ligados a uma empresa que tem boa fama pela qualidade do que faz ou pela contribuição que dá à sociedade”, diz o americano Robert Levering, presidente do Great Place to Work Institute, consultoria especializada em qualidade do ambiente de trabalho, com sede em São Francisco. “É importante sentir orgulho do seu trabalho.”

Veja o caso de Alex Zornig, vice-presidente da filial brasileira do BankBoston. Seu escritório fica localizado na Rua Líbero Badaró, no Centro Velho de São Paulo, uma das áreas mais deterioradas da cidade. Zornig perdeu a conta de quantas vezes foi assaltado por meninos de rua da região. Mas nos últimos tempos tem ajudado a mudar esse quadro. “Quer saber nossa maior recompensa?”, pergunta ele. “É saber que hoje nossos funcionários não precisam ter vergonha de dizer que trabalham nesse lugar.” Estima-se que há 1 200 meninos de rua perambulando pela região, cheirando cola e cometendo pequenos (e grandes) delitos. Há pouco mais de dois anos, o BankBoston e o Sindicato dos Bancários de São Paulo decidiram criar o projeto Travessia. Objetivo: fazer com que as crianças voltassem a seus lares e dar a elas o acesso à educação. Educadores profissionais e voluntários encaminham projetos de alfabetização, suporte escolar, identificação familiar e cursos de artes e música. Atualmente, quatro meninos trabalham nas praças da região como aprendizes de jardineiro. Há também uma escola de circo instalada na Vila Ré, Zona Leste da cidade.

O investimento anual chega a 1,5 milhão de dólares e conta com a participação de empresas como o Bradesco, o Banco Fibra e a Fundação Abrinq. “A violência no centro diminuiu”, diz Zornig. “E nossos funcionários sentem um orgulho enorme de participar de uma causa como essa.” Não é justamente isso que a maioria das empresas procura? Gente entusiasmada com a empresa e com o trabalho que faz? Nos Estados Unidos, há guias voltados para jovens que iniciam suas carreiras apontando empresas socialmente corretas. O The Jobs Seeker Guide to Socially Responsible Companies aponta as 1 000 melhores empresas segundo esse critério. Uma pesquisa realizada pela Kanitz & Associados com 1 200 jovens mostrou que 68% deles optariam por trabalhar em uma empresa que tivesse um projeto social interessante.

“Vim para cá porque sabia que poderia trabalhar com negócio e, ao mesmo tempo, participar de projetos filantrópicos”, diz Ademar Bueno Júnior, um administrador de empresas de 28 anos formado em 1997 pela Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo. No início deste ano, Bueno foi contratado pela DPaschoal, de Campinas. Numa parte de seu tempo cuida dos negócios do grupo, que fatura cerca de 540 milhões de dólares por ano. Noutra, dá assistência estratégica e gerencial aos mais de 100 projetos voltados para a área de educação. Todos os anos, a DPaschoal doa pelo menos 5% de seus lucros a projetos e entidades filantrópicas da região de Campinas.

São projetos como o ISA – Instituto de Solidariedade para Programas de Alimentação. Todos os dias, o ISA recolhe alimentos que não foram vendidos pelos comerciantes do Ceasa de Campinas. O alimento é selecionado, lavado e encaixotado por presidiários em regime semi-aberto e drogados em processo de reabilitação. Depois são entregues a 1 600 famílias carentes cadastradas. Só recebe quem comprovar que tem seus filhos matriculados na escola. “Não queremos fazer caridade. Queremos ajudar a construir cidadãos”, diz o empresário Pascoal. “A longo prazo, empresas que pensarem dessa forma vão garantir o respeito de seus funcionários e serão mais bem-sucedidas.”

Recentemente, a Natura, maior fabricante nacional de cosméticos, fez uma pesquisa de clima entre seus 3 000 funcionários. Uma das perguntas era: sua empresa está integrada às comunidades onde atua? Mais de 80% dos funcionários disseram que sim. É um índice alto quando comparado com a média do mercado — 65%. “Acreditamos que as empresas que duram são aquelas capazes de agregar valor à sociedade”, diz Guilherme Peirão Leal, presidente executivo da Natura. “Isso ajuda na construção a longo prazo de uma marca.” No início da década, a Natura decidiu pela filantropia estratégica. Seus esforços estariam voltados para a educação de crianças e adultos. Os executivos da empresa não queriam apenas doar recursos a entidades. Queriam participar da evolução e da avaliação dos projetos. Para isso, era necessário ter foco.

Nos anos 70, as empresas americanas viveram dias de decepção com a falta de resultados que doações feitas a esmo traziam para todos os envolvidos. Um hospital precisava de um raio X? O telhado de um asilo estava caindo? A escola precisava de um computador? A solução era assinar o cheque e desaparecer até o próximo pedido. Hoje, cada ação é conduzida como um projeto de negócios em que a finalidade não é o lucro financeiro, mas o bem-estar da comunidade e o ganho de imagem para a empresa. As corporações passaram a se envolver na gestão e na cobrança de resultados. Todos os meses, os diretores da Fundação Credicard, de São Paulo, recebem centenas de pedidos de ajuda que vão de vestidos de noiva a carros. “Nosso foco são crianças e adolescentes”, diz Marina Foster, vice-presidente da Credicard e presidente do instituto. “Não podemos tentar abraçar todas as causas.” Uma vez a cada mês, um comitê de nove diretores da empresa se reúne para avaliar a viabilidade e os resultados de cada projeto. Ter uma direção não é a única coisa importante ao fazer um investimento social. É preciso haver sinergia, é necessário potencializar os recursos humanos disponíveis na corporação. “As empresas precisam definir que tipos de competências, interesses e desejos dos funcionários podem ser canalizados e usados eficientemente”, diz o consultor Kanitz.

A Avon elegeu a mulher como seu alvo em todo o mundo. No Brasil, suas 500 000 revendedoras são treinadas para dar dicas de saúde às suas clientes. Na Alemanha distribuem informações sobre a educação das crianças. Na Inglaterra, ajudam mulheres que deixaram de trabalhar para ter filhos a voltar para o mercado de trabalho. Na Austrália, se dedicam à reabilitação de pacientes com câncer. “Esse relacionamento é o que sabemos fazer melhor”, diz Rosa Alegria, diretora de comunicação da subsidiária brasileira da Avon. “Decidimos colocar nossos melhores recursos à disposição dessa comunidade.” A rede gaúcha Gasoline fatura 20 milhões de dólares ao ano vendendo roupas para garotas adolescentes. E esse é justamente o alvo de sua ação filantrópica. No ano passado, a rede criou o programa Meninas do Brasil. Hoje, oito garotas de rua, com idades entre 14 e 17 anos, trabalham como vendedoras nas lojas da rede. Recebem também apoio psicológico, bolsas de estudo e treinamento em informática.

“Ter preço internacional e loja com padrão internacional muitos podem”, diz o empresário Domingos Müller, dono da Gasoline. “Ser diferente hoje é atender aos desejos conscientes e inconscientes do consumidor. O desejo de um mundo melhor, por exemplo.” A IBM americana tem uma verba de 35 milhões de dólares para investir em escolas públicas. São recursos financeiros, computadores e consultoria. Há vontade de ajudar e há também um interesse puramente empresarial aí. Escolas melhores vão preparar os bons profissionais do futuro. E é bem possível que crianças expostas à marca IBM prefiram adquirir computadores da marca quando se tornarem consumidores. Há algum tipo de sacrilégio nisso? “Não, desde que essas ações não sejam encaradas como uma espécie de marketing barato”, diz Martinelli, do Instituto C&A. “Se isso ocorrer, o consumidor logo perceberá uma certa falta de ética na atitude. E ninguém sairá ganhando.”

 

FORNECEDOR – Uma das regras da filantropia corporativa é jamais vincular uma ação social ao departamento de marketing da empresa. Por quê? Até por questões culturais, o bem-feito com segundas intenções deixa de ser encarado como bem. Qualquer possível ganho de imagem perde-se aí. “Deixe que um comitê de funcionários distantes da área de marketing tome as decisões dessa área”, diz Dori Ives, da Business & Community Services. Projetos de sucesso são quase sempre de longo prazo. Há 10 anos, a subsidiária brasileira da Xerox investe 600 000 dólares anuais numa vila olímpica instalada ao lado da favela da Mangueira, no Rio de Janeiro. Lá, cerca de 1 200 crianças e adolescentes freqüentam aulas de atletismo, natação, vôlei, basquete, ginástica. Todos eles têm de estar matriculados na escola para participar. Quem cuida do projeto?

Um departamento de relações com a comunidade, que tem como uma de suas tarefas medir os resultados do projeto. Antes da vila olímpica, as escolas da região tinham uma ocupação de apenas 40% das vagas. Hoje, esse índice está em quase 100%. Talvez os clientes da Xerox jamais soubessem disso não fosse o fato de o presidente americano Bill Clinton ter servido de garoto-propaganda do projeto. Em sua visita ao Brasil, no ano passado, Clinton chegou a jogar uma pelada com os garotos da Mangueira. A Xerox calcula que 32 milhões de pessoas tenham lido as matérias veiculadas em jornais e revistas da época. O projeto também ganhou 132 minutos de veiculação gratuita nas emissoras de TV.

A filantropia corporativa desse final de século nada tem a ver com aquelas campanhas de distribuição de sopa ou de agasalhos. O objetivo é fazer acontecer. Isso pode ser conseguido melhorando escolas, dando noções de cidadania aos moradores de favelas, reintegrando ex-drogados à sociedade. Ou ajudando a desenvolver novos negócios. Nos Estados Unidos, empresas como a Ben & Jerry’s Homemade, uma das maiores cadeias de sorveteria do país, ajudam minorias sociais a se transformarem em fornecedores com qualidade e preços competitivos. Há cerca de dois anos, a Natura fez o mesmo com a comunidade da favela Monte Azul, localizada na Zona Sul de São Paulo. A empresa responsável pelo fornecimento de refeição para o restaurante da Natura deu consultoria para qualificação da padaria da favela. Hoje, todo os consumo de pãezinhos da empresa é fornecido pela Monte Azul.

Nos últimos meses, a Natura também vem ajudando na formação de uma cooperativa de costureiras em Horizonte Azul, bairro da periferia paulista. Parte da produção deve ser adquirida no futuro. Um departamento de ação social foi criado para fazer o acompanhamento dos projetos. Além da formação de fornecedores, a Natura financia projetos de melhoria pedagógica numa escola estadual próxima à sua fábrica, em Itapecerica da Serra, interior paulista. Desde o final de 1995, quando o projeto teve início, os índices de repetência caíram de 11% para 7% e a evasão passou de 11% para 8%. “O resultado que temos aqui é a melhoria do ensino”, diz Laudisséia Ferreira dos Santos Souza, coordenadora pedagógica da escola estadual Matilde Maria Cremm. “Muitos pais e professores gostariam que a Natura pagasse a pintura das paredes ou o conserto do encanamento. Mas isso seriam paliativos, não a solução.”

Iniciativas como essa são uma espécie de modelo do bem corporativo. As empresas podem fazer filantropia também porque sentem uma certa responsabilidade social. Mas há uma razão ainda mais forte: o bem vem se transformando num componente vital para o sucesso dos negócios. Pode ser uma extraordinária vantagem competitiva. Um elemento que atraia o mercado, gratifique seus funcionários, reforce a boa imagem da empresa. Faça a diferença. Ninguém perde com isso. Todos ganham.

* Colaboraram: Jacqueline Breitinger, Suzana Naiditch e Gladinston Silvestrini


Por
Claudia Vassalo – Revista Exame
Imagem:
http://pequenasepifaniaseoutrosdevaneios.blogspot.com.br/