Preços “comportados” no atacado demoram mais para chegar no varejo

1 de abril de 2013

Para muitos economistas, neste ano, a queda no atacado está demorando mais para chegar ao consumidor. Demanda aquecida e frete, dizem eles, podem explicar parte desse comportamento

varejo3Os índices de inflação do atacado divulgados ontem – o Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M), da Fundação Getulio Vargas (FGV), e o Índice de Preços ao Produtor (IPP) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – trouxeram sinais de uma trajetória benigna de preços. O IGP-M subiu 0,21% (abaixo do esperado e do resultado de fevereiro) e o IPP registrou deflação. Ao mesmo tempo, os preços ao consumidor, especialmente de alimentos, reforçaram a sensação de descompasso entre as duas pontas. O custo de alguns produtos agrícolas já estão em queda no atacado, mas a redução ainda não se repete nos preços para o consumidor final.

Olhando para uma inflação em 12 meses, os preços agrícolas no atacado atingiram seu auge em setembro do ano passado, com alta de 18,1%, considerando o IGP-DI. Desde então, em 12 meses, os preços recuaram para 15,5% em fevereiro, enquanto os preços de alimentos ao consumidor continuaram subindo – no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) eles passaram de 9,5% para 12,5%, também em 12 meses, até fevereiro. Enquanto no atacado os preços recuaram 3 pontos, ao consumidor eles subiram 3 pontos percentuais.

Para muitos economistas, neste ano, a queda no atacado está demorando mais para chegar ao consumidor. Demanda aquecida e frete, dizem eles, podem explicar parte desse comportamento. Alguns economistas, como Salomão Quadros, da FGV, esperam um movimento mais expressivo de recuo nos alimentos ao consumidor a partir de abril.

A diferença entre atacado e varejo voltou a aparecer nos dados de inflação divulgados ontem. O IGP-M subiu 0,21% em março, alta inferior a esperada pelos analistas, e foi influenciada pelos alimentos, com novo recuo de 0,7%, depois das deflações de 1,31% em fevereiro e 0,58% em janeiro. Já ao consumidor, na pesquisa da FGV, o item alimentação subiu 1,37% em março, acima do esperado. No ano, no IGP-M, os itens agropecuários somam queda de 2,61% no atacado, enquanto o grupo alimentação ao consumidor subiu 4,93%.

Foi o terceiro mês seguido de queda dos agrícolas no atacado, acompanhada de alta dos alimentos nas prateleiras. “Os preços ao consumidor estão seguindo caminho oposto”, disse Quadros, da FGV. “A queda que se vê na base não está se traduzindo em diminuição da inflação dos alimentos. Esse repasse está acontecendo de uma forma muito lenta.”

Uma das razões apontadas por Quadros para o descompasso é a produção de soja, que é quase 20% da produção agropecuária considerada pelo IPA, mas, direcionada principalmente para exportação e com presença menor na mesa dos brasileiros, acaba praticamente não impactando o IPC. A soja, sozinha, teve queda de 11,06% em fevereiro e de 4,78% em março.

Apenas em março, diz Quadros, outros itens com impacto na inflação ao consumidor começaram a recuar mais fortemente no atacado. É o caso do trigo, que saiu de alta de 1,75% em fevereiro para queda de 2,26% em março, e da mandioca, que passou de alta de 3,60% para queda de 9,94%. “Demora cerca de um mês para que estas variações cheguem ao varejo, então em abril já devemos esperar que os alimentos cedam no IPC”, disse ele.

Ainda assim, alguns repasses estão demorados. O óleo de soja, por exemplo, acumula queda de 1,83% no ano até março, enquanto os preços da soja, no atacado, já estão 22,9% mais baratos – e o óleo é um dos produtos que receberam isenção de 9,25% de PIS-Cofins no pacote de desonerações da cesta básica. Outro exemplo é o grupo de panificados e biscoitos, que depende diretamente dos preços do trigo e, no IPC de março, teve aceleração de 1,11% para 1,33% – mesmo sua matéria-prima tendo ficado 2,26% mais barata no mês.

O descompasso entre os preços praticados pelas duas pontas da cadeia, para o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otávio de Souza Leal, não indica necessariamente uma resistência do varejo em repassar os benefícios da desoneração e a queda de preços no atacado para o consumidor final. A demanda, afirma, pode estar bastante aquecida, mas é possível que o transporte tenha onerado os custos dos varejistas. “O gargalo para o escoamento da safra pode estar se refletindo também em um aumento nos preços de frete”, diz.

Fábio Romão, analista da LCA Consultores, também avalia que o aumento do diesel, que encareceu o preço dos fretes, é outro fator que pode explicar a diferença entre as duas pontas, junto com o aumento da renda. Romão lembra que os preços do diesel subiram (três reajustes desde meados do ano passado) e diz que a “lei dos caminhoneiros”, que passou a disciplinar a jornada de trabalho dos motoristas, e está em vigor desde junho passado, também pode ter contribuído para a disparada dos preços de fretes e maior resistência da inflação de alimentos.

Os economistas concordam, no entanto, que, mesmo com atraso, a desaceleração esperada deve aparecer nos supermercados a partir de abril. “Para frente a tendência é de desaceleração no IPC, com os fim das chuvas fazendo os produtos in natura devolverem parte de sua alta, e também com as desonerações da cesta básica passando a ter impacto maior. Até agora, ele foi praticamente nulo “, disse Alessandra Ribeiro, analista da Tendências Consultoria.

O economista sênior do BES Investimento do Brasil, Flávio Serrano, lembra que a redução aguardada por ele e pelo mercado como um todo para os alimentos nos próximos meses já vinha antes do anúncio das desonerações da cesta básica, devido à sazonalidade e a readequação da oferta. Mas Serrano lembra que há aumentos para vir por conta de reajuste de medicamentos, novas coleções de vestuário e as tarifas de energia, que, após a redução do início do ano, começam a ser ajustadas neste mês.

Fonte: Valor Online