Cuidado com a mentira no ambiente de trabalho

30 de abril de 2013

Pesquisa revela que mentimos mais no trabalho do que em casa. Receio de conflitos e falta de diálogo são alguns dos motivos

Roberto Nascimento, presidente do Imovelweb: funcionários devem ficar à vontade

mentiras

São Paulo – Você está em casa quando o telefone toca e, do outro lado da linha, um pesquisador pede que você jogue uma moeda para o alto e lhe diga qual foi o resultado, com uma proposta: se der coroa, você ganha 15 euros.

Se você participasse da pesquisa e a moeda desse cara, você diria a verdade? Num estudo realizado em 2012 pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, em parceria com a Universidade de Bonn, na Alemanha, mais da metade dos 658 entrevistados (56%) foi honesta, disse que deu cara e ficou sem o prêmio.

A conclusão foi comparada a um estudo semelhante, feito em 2008 na Universidade de Konstanz, também da Alemanha. O experimento era o mesmo, mas os entrevistados estavam em laboratórios, e não em casa.

Nessa análise, 75% dos participantes declararam que o resultado havia sido coroa, garantindo assim o seu bônus — um número que chama a atenção, partindo da premissa de que o resultado deveria ser próximo de 50% para cada lado da moeda.

Comparando os dois estudos, os pesquisadores sugerem que as pessoas mentem mais no trabalho do que em casa. “No ambiente doméstico, um comportamento imoral é mais ameaçador para a concepção de honestidade que a pessoa tem de si.

No trabalho, o funcionário inventa mais desculpas”, diz o alemão Johannes Abeler, economista comportamental da Universidade de Oxford, um dos pesquisadores que conduziu o estudo.

Para ele, apesar de os experimentos terem sido realizados na Alemanha, as conclusões são amplas e podem ser aplicadas, inclusive, aos brasileiros. “As conclusões têm mais a ver com os ambientes doméstico e profissional do que com questões culturais”, diz o professor Johannes.

Cada país, porém, tem a sua cultura profissional, modelada pela história do trabalho e pelo comportamento dos profissionais. Para Alfredo Behrens, professor de liderança na Fundação Instituto de Administração (FIA), de São Paulo, no Brasil a falta de liberdade nas empresas até induz os trabalhadores a serem desonestos.

“Herdamos da cultura ibérica uma sociedade extremamente hierárquica, em que os funcionários têm medo de dialogar com os chefes e acabam mentindo”, afirma Alfredo. O professor organizou uma pesquisa com 173 profissionais brasileiros, perguntando se eles podem dizer o que pensam no trabalho.

Entre os presidentes, 70% disseram que sempre falam; já entre os novatos a porcentagem caiu para menos de 10%.

Algumas companhias perceberam os prejuízos da falta de diálogo e das mentiras. No Imovelweb, site brasileiro de anúncios imobiliários que pertence ao fundo Tiger Global, acionista também da Decolar e da Netshoes, a solução foi criar espaços sem paredes nem divisórias e desenvolver uma cultura de responsabilidade e de busca pela informação.

O objetivo é que funcionários se sintam à vontade para falar com gestores, e vice-versa. “As pessoas geralmente mentem para adiar entregas, mas conseguimos descobrir a verdade perguntando com insistência o porquê dos prazos”, diz Roberto Nascimento, presidente do Imovelweb.

Outra causa das mentiras é a vontade de evitar conflitos para conservar bons relacionamentos. “Quem cresce em um ambiente que favorece a mentira se torna mentiroso”, diz Gutemberg de Macêdo, presidente da Gutemberg Consultores, especializada em coaching e recolocação de executivos, de São Paulo.

A empresária americana Pamela Meyer contratou uma assistente para auxiliar na gestão do Manhattan Studios, sua consultoria. Um dia, Pamela decidiu revisar a contabilidade e percebeu que as contas não fechavam — a assistente havia comprado um computador com seu cartão de crédito e desviado dinheiro.

Em 2011, Pamela lançou o livro Liespotting (“Detectando mentiras”, em tradução livre), no qual ensina a identificar desonestidades  e revela números surpreendentes, como o fato de pessoas mentirem 200 vezes por dia. “A mentira mais comum é a omissão, e os líderes tendem a mentir mais e de forma mais persistente”, diz Pamela.

É claro que, em alguns momentos, mentir é inevitável e inofensivo. “Existe uma convenção social de coisas que não devem ser ditas, principalmente para um chefe”, diz Marcelo Afonso Ribeiro, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

Mas lembre-se do estudo: mentimos menos em casa porque é onde fazemos questão de ser verdadeiros. Se a mentira profissional está incomodando, procure um trabalho que faça você se sentir em casa. De verdade.

Por Raquel Beer, da
Imagem: novotempo.com