Quatro em dez entram na informalidade para não depender de patrão

6 de junho de 2013

Pesquisa revela, contudo, que a maioria dos informais não faz gestão financeira e nem paga INSS. Dificuldades para conseguir crédito emperram o crescimento

Conquistar a autonomia profissional e não depender de horários fixos e da rigidez patronal é uma das razões que explicam a migração de trabalhadores com carteira assinada para empreender em um negócio ainda não formalizado. No entanto, a maioria acaba lidando com uma jornada de trabalho extensiva e tem dificuldades para fazer a gestão do próprio negócio.

A conclusão é de um estudo realizado pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) que observa o comportamento e hábitos dos empreendedores dos setores do comércio e serviços que trabalham no mercado informal, além de identificar os motivos para a situação de informalidade.

Segundo o levantamento, quatro em cada dez empresários informais garantem que estão no mercado informal para não depender de patrões. Outras razões ainda citadas que justificam a migração estão mais atreladas às necessidades pessoais, como o desemprego após uma demissão (48%) e a busca por um retorno financeiro mais atrativo (41%).

Crédito e gestão do negócio informal

Mais de 80% dos entrevistados alegam não adotar qualquer tipo de gestão financeira, seja para controlar, analisar ou planejar o dinheiro acumulado com o negócio. Isso pode ser verificado pelo fato de que em cada 10, pelo menos oito empresários afirmam se dedicar inteiramente ao negócio.

 

 

O percentual de trabalhadores informais que já trabalharam com carteira assinada em algum momento de suas vidas é de 78%, mas somente 2% do universo dos entrevistados mantém “vida dupla”, ou seja, acumulam esse tipo de atividades com algum vinculo formal.

O dado comprova que nem todos os trabalhadores recorrem à informalidade para complementar a renda familiar, mas que a maioria absoluta sobrevive integralmente da prática informal.

Para o presidente da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas, Roque Pellizzaro Junior, uma das mais graves dificuldades do empreendedor informal é a limitação que o modelo clandestino impõe ao próprio negócio. “A informalidade impede que o empresário desenvolva seus negócios. Por isso ele perde em competitividade”, explica.

Sete em cada 10 entrevistados precisaram de algum capital para a abertura do atual negócio, sendo que, desses, 76% utilizaram exclusivamente o dinheiro do próprio bolso. Como não portam CNPJ, esses empresários não conseguem comprovar vínculo formal, considerado uma garantia básica para a obtenção de linhas de crédito e financiamento em instituições bancárias.

Jornada de trabalho

Para o SPC Brasil e a CNDL, a ausência de gestão nessas empresas está relacionada à baixa escolaridade e à falta de tempo que o empreendedor tem para adotar técnicas mais racionais de controle.

De acordo com a pesquisa, a jornada de trabalho média diária de um empreendedor informal supera a de um trabalhador comum contratado em regime CLT. São aproximadamente oito horas por dia, de segunda á sábado, somadas, ainda, as outras seis horas no domingo.

Além da extensa jornada de trabalho, períodos de férias não são garantias para o empreendedor informal. Mais de 42% dos pesquisados disseram nunca tirar férias e 22% afirmaram que raramente o fazem. Mais privilegiados, o contingente dos que conseguem pelo menos um período de descanso anual é de apenas 27%.

 

 

“Com uma carga horária de trabalho desgastante, fica difícil para esse trabalhador planejar e especializar sua administração, definindo funções e tarefas. As condições precárias forçam esse empresário a atuar no improviso”, explica a economista do SPC Brasil, Ana Paula Bastos.

Características do negócio e formas de pagamento

Mais vulneráveis aos órgãos de autuação, 30% dos comerciantes informais alegaram que já se sentiram obrigados a mudar o ponto de venda em função da fiscalização e outros 27% não puderam nem mesmo registrar um boletim de ocorrência após furtos ou roubos de mercadorias. Por parte dos prestadores de serviços, 17% confessam já terem sofrido rejeição de clientes em relação à qualidade do serviço.

Para contornar as dificuldades, o empreendedor informal se vê condicionado a adotar práticas menos sofisticadas. Exemplo disso é que apenas um em cada dez (9%) já aceitam cartões de crédito ou débito como forma de pagamento e a principal maneira de divulgação do negócio é a indicação por boca a boca (73%).

Os produtos mais comercializados entre os empreendedores informais são bens de menor valor agregado como roupas, alimentos, bijuterias e eletrônicos, ao passo que as principais tarefas entre os prestadores de serviços são atividades relacionadas à manicure, cabeleireiro, pintor e pedreiro. O ticket médio que um cliente gasta em um estabelecimento do comércio informal é de aproximadamente R$ 30 enquanto que no setor de serviços, o valor chega a quase R$ 70.

 

 

Como lidam basicamente com dinheiro em espécie, a maioria dos entrevistados afirmou não enfrentar problemas com clientes inadimplentes (82%) e quando isso ocorre, fica restrito, geralmente, à situações de venda fiado. Do universo de entrevistados, aproximadamente 12% afirmaram vender fiado, mas 47% só o fazem para clientes que considera de confiança.

 

 

Pensando no futuro:

A maior parte dos que hoje estão à frente de negócios informais são pessoas acima dos 35 anos (71%) e com o nível de instrução relativamente baixo – possuem no máximo o Ensino Médio completo ou incompleto (88%).

 

 

Outro fator relevante apresentado pela pesquisa é que uma parcela pequena dos empreendedores informais demonstra preocupação em garantir uma aposentadoria no futuro. 72% dos pesquisados não fazem contribuição previdenciária por conta própria.

 

 

Na avaliação de Pellizzaro Junior, esse é um dos pontos mais sensíveis quando se discute a informalidade. “Para os trabalhadores, a informalidade é sinônimo de desamparo. Significa ficar sem renda numa situação de doença, não ter direito à licença maternidade, seguro por acidente de trabalho, aposentadoria ou pensão no futuro, além da sujeição a uma série de irregularidades que violam a legislação do trabalho”, conclui.

Embora deixem a contribuição previdenciária de lado, 43% dos empreendedores informais afirmam ter como o grande sonho comprar uma casa própria, mesmo que a aquisição de um imóvel seja mais complicada para essa parcela de trabalhadores, em virtude da comprovação de renda necessária para a obtenção de empréstimos e financiamento bancário.

Para Pellizzaro Junior, o desafio é mostrar ao empreendedor que a informalidade é um modelo que não compensa. “A única vantagem da economia informal para o trabalhador é que ele não paga impostos. Mas por outro lado, ele não tem uma seguridade social em troca, além de se expor a vulnerabilidade da fiscalização e da autuação dos órgãos regulatórios. Formalizar uma empresa beneficia não só o governo, mas os próprios microempresários”, conclui.

Metodologia

A pesquisa do SPC Brasil ouviu 612 empreendedores autônomos informais (sem inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) dos setores de comércio e serviços nas 27 capitais brasileiras. A alocação amostral para cada cidade foi proporcional ao tamanho da população economicamente ativa (PEA) e a margem de erro é de 4,00 pp.

Fonte: CNDL