Obrigados a colaborar com a bisbilhotagem do governo dos EUA, Facebook, Google, Yahoo! e Microsoft veem questionada sua credibilidade no respeito à privacidade dos internautas
Depois de um dia em que nada deu certo, o internauta desabafa em uma rede social: “Hoje minha vontade é de explodir tudo”. Em outros tempos, poderia ser apenas um desabafo inconsequente. Mas depois de Edward Snowden apresentar provas sobre a ação da agência de espionagem dos Estados Unidos, uma mensagem como essa pode colocar o autor no radar da Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA, na sigla em inglês), como mostraram as denúncias do ex-técnico da CIA publicadas pelo jornal “The Guardian”. Ao revelar o papel ativo de Facebook, Google, Microsoft, Yahoo!, Apple e MSN na ação de espionagem do governo americano, Snowden colocou em xeque a credibilidade desses gigantes.
Segundo Snowden, essas empresas, algumas com ações negociadas em bolsas, seriam parcerias da NSA. No centro dessa relação, estão as informações privadas de clientes. A espionagem era feita por meio do programa Prism, que acessa e-mails, arquivos, chats e chamadas de voz de usuários de serviços de empresas como Facebook, Google e, como foi revelado por Snowden na última semana, pela Microsoft.
Carta branca
Pela legislação americana, porém, o caso não se resume à Microsoft. Um norma de 1994, a Lei de Assistência de Comunicações para o Policiamento, permite ao governo dos EUA obrigar os provedores de internet a permitir a instalação de ferramentas de vigilância, mas elas não acompanham em tempo real o conteúdo de e-mail, os serviços de nuvem e as atividades dos provedores de voz e de mensagens, como o Skype. O Google, segundo declarações de seu porta-voz, Chris Gaither, sugeriu já ser possível fazer o monitoramento ao vivo das comunicações em seus serviços, mas por enquanto apenas em alguns casos. Outra brecha da lei americana que estreita a relação com as empresas é oroving wiretaps . Com o ato, passou a não ser necessário especificar nem a localização, nem os instrumentos de transmissão que foram interceptados. Basta apenas indicar o sujeito que está no centro da investigação para todos os meios de comunicação que se enquadrem.
A ação de espionagem tornou-se mais ampla a partir do ‘Patriot Act’, assinado por George W. Bush depois do ataque terrorista de 11 de setembro de 2011. O dispositivo permitia a invasão de lares, espionagem, interrogatório e torturas quando houvesse suspeita de ato terrorista. Em 2007, veio o Ato de Proteção da América, renovadp por Barack Obama em 2012, que torna legal vigiar alvos que representem uma ameaça externa.
Com isso, todas as empresas de internet dos EUA, gigantes ou não, são obrigadas a deixar o governo instalar o programa que acessa dados dos usuários. Revelado o escândalo, não restou muito a essas corporações além de recorrer a notas oficiais com desmentidos na tentativa de manter tranquilidade na web.
Para os internautas, que usam redes sociais como vitrine para ganhar notoriedade entre amigos e estranhos, até agora o caso Snowden teve pouco efeito sobre a desinibição virtual. Mas estudiosos mostram que a privacidade – um direito do internauta que não vem sendo respeitado – pode mudar o comportamento na internet e dar espaço a empresas que tenham como bandeira justamente o que não foi entregue por Facebook ou Google: respeito a suas informações.l
“Mude o seu comportamento na web”
“Na prática vejo tudo isso como um alerta. Mudem o seu comportamento na web”, adverte o advogado Renato Opice Blum, que também é presidente do Conselho de Tecnologia da Informação da FecomercioSP. “O que acontece hoje é um problema de percepção da sociedade. Não temos o hábito de ler os termos de uso dos serviços oferecidos pela web, como Facebook e Gmail. Ao concordarmos com eles, concordamos com os termos da lei americana. É preciso prestar atenção nisso, porque não são serviços filantrópicos”, afirma Blum.
O especialista em direito digital acredita que, além da mudança de comportamento dos usuários, o caso Snowden deve levar a uma discussão em fóruns internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), para que se estabeleçam convenções que regulamentem a privacidade na web e no uso de telefones.
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Advogado especialista em direito digital e sócio do escritório Patrícia Peck Pinheiro Advogados, Victor Haikal explica que, o que aparentemente é um serviço gratuito, como no caso de redes sociais, na verdade esconde a geração de receita por meio da utilização de dados dos usuários.
“Esses serviços gratuitos reúnem dados que permitem conclusões a respeito do comportamento da pessoa, como hábitos de consumo. Com essa reunião de massa crítica é possível tirar várias conclusões e fazer campanhas publicitárias direcionadas”, afirma.
Haikal alerta os usuários: “Eles devem verificar como essas empresas tratam seus dados, como é a política de privacidade que consta nos termos de uso, se essas informações são vendidas de forma anônima, por exemplo”.
“As próprias empresas falam que não garantem o não compartilhamento dos dados de seus usuários”, explica. Bissoli acredita que a denúncia de espionagem deverá ter mais impacto na imagem do governo americano do que nas próprias empresas. “O usuário sabe que as redes sociais não foram feitas para garantir privacidade, mas para gerar troca de informação”, argumenta.
Segundo Demi Getschko, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), a falta de confiança nos atuais provedores de serviço, desencadeada pela denúncia de Snowden, pode criar oportunidades para outras empresas. Ele é taxativo: “Se o usuário não gostar do provedor, pode procurar outro mais ético”.
Getshko explica como a evolução do armazenamento de dados ajudou na exposição das informações dos internautas. “Os seus dados, que antes estavam bem guardados em casa, com o uso da ‘nuvem’ passaram a ficar espalhados pelo mundo. Ao mesmo tempo que você consegue se livrar do conteúdo que gerou, fica mais vulnerável a bisbilhotagem.”
Por Claudia Tozetto e Paula Pacheco – iG São Paulo