MBA com pipoca

19 de julho de 2013

As lições do cinema para guiar sua carreira e seus negócios – Parte 1

(Ilustração: Rafael Pera; Imagens: divulgação
(Ilustração: Rafael Pera; Imagens: divulgação

Há uma incontável oferta de cursos de MBA hoje em dia. Em geral, esses cursos ajudam a avançar na carreira – seja pelo título que dão ou pelo salto de conhecimentos que proporcionam. Mas o custo não é pequeno: 370 horas de aula, na média, fora trabalhos, e um desembolso médio de R$ 25 mil (ou dez vezes isso, se o curso for no exterior). Não seria mais fácil gastar esse tempo no cinema? Ou na frente da TV?

Pois nós temos uma boa notícia. Se não garante um título de mestre em administração, assistir a bons filmes é um caminho de acesso a conteúdo crucial para o mundo dos negócios.

Isso não é nenhuma novidade. Não são raros os consultores que usam filmes para treinar, motivar ou explicar algum conceito aos executivos que os contratam. Há quem diga, em tom de apenas meia brincadeira, que tudo o que uma pessoa precisa saber está contido na série O Poderoso Chefão, de Francis Ford Coppola, com suas lições sobre poder, lealdade, negociação e estratégia.

O escritor canadense David Gilmour (homônimo do vocalista da banda Pink Floyd) fez mais. Usou o cinema para recuperar seu filho de 15 anos, Jesse. O garoto ia tão mal na escola que Gilmour lhe propôs um acordo: ele poderia parar de ir às aulas, desde que assistisse – e discutisse com seriedade – a três filmes por semana.

A experiência foi contada por Gilmour no livro O Clube do Filme, de 2009. Durante o período de 115 filmes, o garoto se envolveu com drogas, se apaixonou, sofreu, cresceu e, o mais importante, voltou a ser curioso pelo mundo, graças ao poder do cinema de propiciar material para emoção e reflexão.

Não há falta de listas de filmes educativos por aí. Quase toda publicação de negócios (nacional ou estrangeira) já fez suas escolhas – mas em geral limitam-se a recomendar exemplos de liderança. No final do ano passado, os consultores em recursos humanos Marco Oliveira e Pedro Grawunder foram um pouco mais longe. Seu livro, Os Filmes Que Todo Gerente Deve Ver, propõe vários filmes para treinar profissionais.

Nossa lista é um tanto diferente. Para organizá-la, examinamos a grade curricular de alguns dos melhores MBAs do mundo, incluindo as escolas de negócios de Harvard, Wharton, Stanford e a London Business School. Desprezamos as disciplinas mais técnicas e agrupamos algumas das demais. No final, selecionamos 16 matérias.

A partir daí, fizemos uma pesquisa com consultores, cinéfilos e publicações especializadas para escolher os filmes que melhor se encaixam nos módulos propostos. Nosso “curso” terá três meses de duração. A primeira parte, com 15 filmes, começa nas próximas páginas. As demais serão publicadas nas edições de abril e maio. Não falte às próximas sessões.

PENSAMENTO CRÍTICO

Reprodução (Foto: Ilustração: Rafael Pera; Imagens: divulgação)

O ovo da serpente
Ingmar Bergman – Eua/Alemanha, 1977  

A trama
Na Alemanha dos anos 20,
o ex-trapezista judeu Abel Rosenberg (David Carradine) tenta desvendar o mistério da morte do irmão e se emprega na clínica clandestina em que ele trabalhava.

Reflita sobre
Como dramas individuais se encaixam num contexto maior. Neste suspense, Bergman não nos conduz apenas à verdade por trás de um crime, mas a entender sua ligação com a situação e o futuro que o país seguiria. O título se explica nas últimas falas do filme: “Qualquer um que fizer o menor esforço, pode ver o que está por vir. É como um ovo de serpente. Através da membrana fina, você pode distinguir claramente o réptil perfeito que está lá dentro”.


Para fazer escolhas, as pessoas nem sempre se guiam pelo lado racional 


Obrigado por fumar
Jason Reitman – Eua, 2005  

A trama
Um porta-voz de uma empresa de cigarros faz de tudo para defender o produto,
e ao mesmo tempo tenta ser um exemplo para o filho de 12 anos.

Reflita sobre
1. O potencial conflito entre profissionalismo, eficiência e ética; 2. A cena em que o garoto pede ajuda ao pai com seu dever de casa, e ele desmonta as premissas da questão: uma aula de pensamento crítico – pela aceitação ou rejeição de uma informação a partir da avaliação das evidências, do contexto e dos critérios pelos quais ela foi estabelecida.

Não podemos julgar a vida de alguém em cinco minutos (Foto: Ilustração: Rafael Pera; Imagens: divulgação)

12 homens e uma sentença
Sidney Lumet – Eua, 1957   

A trama
12 jurados têm de decidir se condenam um garoto acusado de matar o pai. Todos acreditam na culpa do rapaz, mas
o jurado número 8 (Henry Fonda) diz ter dúvida. Ele irá, aos poucos, destrinchar a linha de raciocínio dos demais.

Reflita sobre
1. O processo de tomada de decisões em grupo – o roteiro é um ótimo exemplo da tese do Nobel de economia Herbert Simon, sobre os limites à decisão racional; 2. A construção de consenso baseada em ética, não em comodidade; 3. A contribuição da diversidade de experiências para lançar luzes à discussão.

ANÁLISE DE DADOS E TOMADA DE DECISÕES   

Ela é a mais suspeita de todos aqui! (Foto: Ilustração: Rafael Pera; Imagens: divulgação)

Homens de preto
Barry Sonnenfeld – Eua, 1997  

A trama
O policial James Edwards (Will Smith) é recrutado para substituir um agente secreto que lida com extraterrestres.

Reflita sobre
A rapidez de raciocínio de Edwards. Na cena em que ele é submetido a um teste, tem de identificar o inimigo e neutralizá-lo. No escuro, bonecos ameaçadores são iluminados e os demais candidatos não demoram em atirar. Edwards hesita e, finalmente, atira no boneco de uma menininha. Quando lhe perguntam por que achou a “pequena Tiffany” suspeita, ele diz que não fazia sentido a garota andar sozinha no gueto, com um livro de física quântica. Ela devia estar tramando algo. Uma piada, mas ajuda a lembrar a força do raciocínio lógico, livre de preconceitos.

Reprodução (Foto: Divulgação)

O destino do Poseidon
Ronald Neame – Eua, 1972  

A trama
Uma onda atinge o cruzeiro Poseidon, e o reverendo Frank Scott (Gene Hackman) lidera um grupo sobrevivente.

Reflita sobre
1. A frieza para raciocinar em uma emergência. Scott afirma que, com o impacto, o navio deverá virar de cabeça para baixo e sugere seguir para o casco. Convence um pequeno grupo, mas a maior parte prefere esperar o capitão; 2. O aspecto emocional da tomada de decisões, quando surgem perigos e o grupo precisa improvisar.


Quando o navio estiver afundando, aposte no caminho mais lógico


 

Reprodução (Foto: Ilustração: Rafael Pera; Imagens: divulgação)

Pulp Fiction
Quentin Tarantino – Eua, 1994  

A trama
Quatro episódios de violência em que se cruzam as vidas de um boxeador, dois matadores, a mulher de um gângster e um casal de ladrões.

Reflita sobre
A cena em que Winston Wolf (Harvey Keitel) é chamado para ajudar os capangas Vincent (John Travolta) e Jules (Samuel L. Jackson) a esconder os vestígios de um assassinato. Wolf dá ordens precisas sobre o que fazer, como fazer, em que ordem. Não aceita questionamento. No início, Vincent se sente humilhado, mas depois, aliviado, diz que “foi um prazer assistir você trabalhar”. Uma lição sobre assertividade, rapidez e eficiência em uma situação que exige soluções rápidas.


Pulp Fiction ressuscitou a carreira de John Travolta. O ídolo das pistas de dança dos anos 80 recebeu US$ 150 mil para voltar às telas no papel de um tira violento  

NEGOCIAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO DE CONFLITOS   

Você disse que não conhecia Django. Por que está mentindo para mim? (Foto: Ilustração: Rafael Pera; Imagens: divulgação)

Django livre
Quentin Tarantino – Eua, 2012   

A trama
O escravo Django (Jamie Foxx) recebe ajuda do caçador de recompensas King Schultz (Christoph Waltz) para resgatar sua mulher, Broomhilda (Kerry Washington), do fazendeiro Calvin Candie (Leonardo DiCaprio).

Reflita sobre
1. Manobras diversionistas: sabendo que Candie não os receberia para negociar uma reles escrava, os dois descobrem seu interesse por lutadores e fingem que o negócio seria a compra de um escravo campeão, por um valor irrecusável – para obter seu verdadeiro objetivo numa negociação “casual”; 2. A necessidade de ter um plano B, caso algo saia (muito) errado.


Will Smith era a primeira opção de Tarantino para o papel de Django. Sorte ele não ter aceitado – Foxx foi perfeito 


Em Django, os protagonistas escondem seus reais interesses durante a negociação


Reprodução (Foto: Divulgação)

Erin Brockovich
Steven Soderbergh – Eua, 2000  

A trama
Erin Brockovich (Julia Roberts) lidera uma ação coletiva contra uma empresa cuja fábrica contaminou o ambiente da cidade.

Reflita sobre
O estilo duro de negociação, como definido pelo consultor Andrew Gottschalk, ex-professor da London Business School. Numa das cenas do filme, Erin enfrenta os advogados da empresa com fúria – mas recheada de argumentos cuidadosamente preparados e um truque para destruir seus eufemismos: oferece-lhes água tirada do poço que a empresa diz não estar contaminado.

Reprodução (Foto: Ilustração: Rafael Pera; Imagens: divulgação)


A negociação
F. Gary Gray – Eua, 1998  

A trama
Um negociador da polícia acusado de desvio de dinheiro e do assassinato de seu parceiro faz um grupo de reféns em seu departamento e exige a presença de outro negociador, na esperança de provar sua inocência.

Reflita sobre
1. As inúmeras técnicas de negociação exercitadas por dois especialistas, interpretados por Samuel L. Jackson e Kevin Spacey; 2. A necessidade de escolher bem a pessoa com quem você vai negociar – aqui, um especialista de outro distrito, neutro – e a importância de ganhar sua confiança.

ÉTICA/ PROPÓSITO     

Reprodução (Foto: Divulgação)

Kagemusha, a sombra do samurai
Akira Kurosawa – Japão, 1980  

A trama
Quando o líder Takeda Shingen (Tatsuya Nakadai) é ferido, seus generais buscam um sósia para que ninguém perceba a fraqueza do clã.

Reflita sobre
1. A necessidade de um símbolo para inspirar o grupo (durante as batalhas, Takeda se postava imóvel sobre uma montanha, significando a firmeza de sua posição e a invencibilidade do clã); 2. O uso de artimanhas (o sósia) para inspirar um ideal nobre; 3. A paulatina transformação de um mendigo em líder, tanto na aparência como na alma.

 


Em Kagemusha, Kurosawa mostra a importância de um símbolo para um grupo


 

O que você faria?
Marcelo Piñeyro – Espanha, 2005  

A trama
Sete executivos disputam um emprego. São submetidos a um método de seleção chamado Grönhom, no qual os candidatos devem eliminar uns aos outros por meio de provas práticas e psicológicas.

Reflita sobre
1. A pressão dos pares no ambiente de trabalho; 2. Questões morais, como na cena em que o grupo avalia um executivo que denunciou a companhia em que trabalhava por crime ecológico. Ele diz ter evitado uma catástrofe. Os colegas o culpam por não ter feito o melhor para a empresa.

Vocês me elegeram seu líder. Deixem-me liderá-los agora (Foto: Ilustração: Rafael Pera; Imagens: divulgação)

Invictus
Clint Eastwood – Eua, 2009   

A trama
Recém-eleito presidente, Nelson Mandela (Morgan Freeman) adota o rúgbi, esporte dos brancos, para dar um exemplo de união do país que vivera o apartheid.

Reflita sobre
1. A sabedoria e humildade de Mandela; 2. A escolha do caminho da reconciliação com os adversários, em vez da retaliação; 3. A adoção de um símbolo improvável para demonstrar (e forjar) a união do país; 4. A exigência de que os atletas brancos treinassem nas ruas para conquistar os torcedores negros; 5. O respeito que nasce da convicção e da generosidade; 6. O fato de que essa história aconteceu de verdade.

GLOBALIZAÇÃO 

Reprodução (Foto: Divulgação)

Monstros S.A.
Pete Docter – Eua, 2001  

A trama
A energia da cidade de Monstrópolis vem dos gritos das crianças, coletados por funcionários da empresa Monstros S.A. Até que uma criança humana entra no mundo dos monstros e os
heróis Mike e Sulley descobrem que sua risada gera dez vezes mais energia que o grito.

Reflita sobre
1. O poder do propósito: fazer rir inspira os monstros muito mais do que meter medo. O clima burocrático da fábrica do início do filme vira um ambiente leve e divertido; 2. Fazer algo
bom pode dar muito mais lucro do que fazer algo nocivo; 3. É possível transformar monstros em criaturas bacanas.

 


Pequenas escolhas devem ser feitas com a mesma cautela de grandes decisões


 

Mondovino
Jonathan Nossiter – Argentina/França/Itália/Eua, 2004  

A trama
Um documentário sobre o impacto da globalização nas regiões que produzem vinho.

Reflita sobre
1. Como a popularização cria padronização – e perda de diversidade; 2. Os ganhos (de produtividade, de mercado) nunca são absolutos: sempre há perda de alguma coisa (tradição, elegância, refinamento); 3. Argumentos de pureza muitas vezes são fachada para grupos aristocráticos que não querem perder privilégios; 4. Como a indústria vinícola inspira movimentos similares de diferenciação de produtos pelo marketing da origem controlada, sabor diferenciado etc. – do café e chocolate até o aço e a moda.

Então você acha que isso não tem nada a ver com você? (Foto: Ilustração: Rafael Pera; Imagens: divulgação)

O diabo veste Prada
David Frankel – Eua, 2006   

A trama
A jovem e inocente Andy Sachs (Anne Hathaway) vira assistente da tirana Miranda Priestly (Meryl Streep), diretora da revista de moda Runway.

Reflita sobre
Os mecanismos de poder em um mundo ultraconectado. Numa cena, Andy ri ante um grupo que tenta decidir qual cinto usar num editorial de moda. Miranda, num discurso implacável, diz que Andy pode achar que escolheu a roupa que está vestindo, mas de fato a escolha foi feita por um grupo muito pequeno de pessoas – naquela sala, provavelmente – cujas decisões afetam desfiles, produções, encomendas e, portanto, receitas fantásticas e milhares de empregos.


Anne Hathaway se preparou para o papel de Andy, em O Diabo Veste Prada, trabalhando voluntariamente, durante uma semana, numa sofisticada casa de leilões

Por FABIANA PIRES E MICHELLE FERREIRA

Veja parte 2:
Veja parte 3:

Disponível em:  http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Visao/noticia/2013/03/mba-com-pipoca.html