Busca por energia limpa requer desvios

23 de julho de 2013

selo-timesJonathan Wolfson e Harrison Dillon começaram daquele jeito mítico do Vale do Silício. Há uma década, os dois amigos de faculdade se puseram a trabalhar na garagem de Dillon, cultivando algas em tubos de ensaio, na esperança de usarem a biotecnologia para criar energia renovável. Aí encontraram um pequeno grupo de investidores.

Agora, eles lançaram seu primeiro óleo derivado de algas em escala comercial: pálido, inodoro e fornecido em um frasquinho dourado, ele não é voltado para tanques de combustível, mas para o rosto de mulheres preocupadas com o envelhecimento cutâneo.

Cada frasco de 30 ml custa US$ 79, e, talvez graças a ele, a empresa da dupla, a Solazyme, consiga ir além do ponto onde tantas outras companhias de tecnologia limpa perderam o gás: a passagem para a produção em escala comercial.

Jim Wilson/The New York Times
Jim Wilson/The New York Times
Vista em microscópio das células de alga contendo óleo, as com verde mais brilhante são as que mais têm óleo

A esperança da Solazyme é se manter à tona fabricando óleos que sirvam a diversas funções -como hidratar a pele ou substituir a manteiga e os ovos em receitas de forno. O passo seguinte é fabricar enormes quantidades de produtos de energia renovável a um preço capaz de concorrer com os combustíveis fósseis.

Há anos, gestores públicos, ambientalistas e empreendedores alardeiam a promessa de domar a energia do sol, do vento, das ondas, dos resíduos sólidos urbanos ou, agora, das algas. Desde 2007, o consumo de energia oriunda de fontes renováveis nos EUA cresceu quase 35%. Hoje, ele representa cerca de 9% do total, segundo a Administração de Informação Energética.

Mas houve fracassos proeminentes. Empreendimentos de energia limpa outrora promissores, que haviam atraído milhões de dólares em apoio do governo americano -como a fábrica de painéis solares Solyndra, a usina de etanol celulósico Range Fuels e o fornecedor de baterias A123 Systems-, faliram. A próxima geração de biocombustíveis, baseada em plantas não alimentícias, ainda luta para conseguir decolar.

O capital de risco se desacelerou, e novas empresas dessa área precisam queimar grandes volumes de capital em muitos anos de pesquisa e em equipamentos antes de comprovarem suas promessas. Em nível global, o capital de risco investido em tecnologias limpas diminuiu de US$ 9,61 bilhões em 2011 para US$ 7,4 bilhões em 2012, uma queda de quase um quarto, segundo o banco de dados i3 Platform, do Cleantech Group.

Por isso, as empresas de energia limpa não podem se apoiar na clássica abordagem em que os investidores recebem dividendos rápidos e polpudos. Elas precisam de uma combinação de verbas governamentais, parcerias setoriais e uma disposição para buscar linhas de produtos com maior valor agregado, como parte da rota que leva a mercados maiores, mas com margens mais reduzidas.

A história da Solazyme mostra como pode ser sinuoso o caminho que leva até tecnologias energéticas lucrativas. Quando começaram, Dillon e Wolfson cogitaram priorizar o uso de algas para produzir hidrogênio, mas os veículos movidos a hidrogênio nunca decolaram.

Os sócios da Solazyme perceberam que precisavam criar um produto que pudesse usar equipamentos e infraestrutura existentes, e o óleo combustível parecia a melhor aposta.

O problema em produzi-lo é que o volume é quem manda. Fazer um produto incrível não era o importante -se a Solazyme não conseguisse fazê-lo em quantidade suficiente, o negócio nunca teria sucesso.

O combustível celulósico pode em breve alcançar uma escala real: o Departamento de Energia dos EUA prevê que haverá 303 milhões de litros em produção comercial até 2015. Mas o uso de algas pelas empresas irá demorar até 2022, preveem as autoridades.

Na Solazyme, os sócios aceleraram os testes preliminares, tentando fazer algo que imitasse o óleo combustível existente. Eles também reprogramaram os micro-organismos para ver o que mais poderia resultar.

“A intenção era uma linha reta até os combustíveis, mas começou a ficar claro o quanto isso iria demorar”, disse Wolfson, comentando a evolução da empresa até desenvolver múltiplas linhas de produtos.

A grande descoberta foi que as algas podem produzir óleos que, do ponto de vista bioquímico, se parecem muito com outros encontrados na natureza ou já em uso no mercado. Mas os sócios haviam vendido aos investidores uma empresa de energia, não uma fábrica de cosméticos, suplementos nutricionais e sabão.

Eles também haviam dito ao seu conselho que conseguiriam produzir combustível por meio da fotossíntese, mas o cultivo de algas onde houvesse luz solar suficiente exigiria enormes lagos e ameaçaria causar uma perda de vegetação.

Após procurar às pressas uma alternativa, Wolfson e Dillon informaram ao seu conselho que cultivariam as algas em tanques para produzir óleos especiais para mercados secundários, usando o faturamento dessas vendas para amparar o negócio de combustíveis durante o seu desenvolvimento. Seus principais patrocinadores, que já haviam investido juntos cerca de US$ 1,3 milhão, concordaram em financiar novos testes para essa ideia.

Vários conselheiros acabaram saindo, e vários investidores de risco que haviam demonstrado interesse nas rodadas preliminares de financiamento se retiraram pelo fato de os criadores insistirem em perseguir múltiplos mercados, segundo Wolfson.

“É bem verdade que, se você tenta fazer coisas demais e não tem um enfoque enquanto companhia, você vai fracassar -o enfoque realmente importa”, disse ele. “O que eles realmente não entenderam é que a nossa plataforma é uma plataforma que está focada na produção óleos.”

A empresa tem um acordo de vários anos com o conglomerado japonês Mitsui para desenvolver óleos específicos para os mercados químico e industrial. Em parceria com a Solazyme, a Bunge, multinacional gigante do setor agroalimentar, está construindo uma fábrica ao lado da sua usina de etanol de cana no centro-sul do Brasil. Ela vai usar o açúcar para alimentar as algas e espera produzir até 114 milhões de litros de óleo por ano para produzir sabão e outros produtos.

“Quanto maiores os dividendos que pudermos demonstrar de cada fábrica no começo, mais rápido conseguiremos financiar e construir fábricas”, disse Wolfson. A empresa espera vender os óleos cosméticos a um preço 60% superior ao valor de custo, frente a 30% de lucro para os combustíveis e produtos químicos e 40% para os produtos nutricionais.

Uma tentativa de diversificação caiu por terra em 24 de junho, quando a Solazyme dissolveu uma parceria com a beneficiadora de amidos Roquette Frères.

As empresas estavam usando algas para produzir gorduras com baixo teor de saturação e óleos sem gorduras trans, além de um suplemento em pó, o Almagine, que deveria substituir ovos e gorduras saturadas. Mas as empresas disseram não ter chegado a um acordo sobre a estratégia de marketing.

Analistas dizem que as cifras operacionais da empresa sugerem que, por enquanto, ela é mais promessa do que realidade.

No ano passado, a Solazyme teve um prejuízo líquido de US$ 83 milhões sobre um faturamento de US$ 44 milhões. Ela também assumiu uma dívida de cerca de US$ 185 milhões no começo deste ano.

Mesmo assim, os analistas estão otimistas com as perspectivas da empresa, embora alguns manifestem ceticismo quanto à possibilidade de a Solazyme algum dia desenvolver combustíveis.

“Os combustíveis ainda são uma oportunidade para eles”, disse Rob Stone, analista de pesquisas que monitora tecnologias limpas. Mas ele acrescentou que a nova capacidade produtiva em escala comercial poderia ser usada inteiramente para satisfazer à demanda nos mercados de maior valor agregado, então talvez não faça mais sentido para a Solazyme esgotar seu espaço produtivo fabricando combustíveis com margem de lucro menor.

“Acho que eles podem fazer uma companhia enorme sem jamais fazer praticamente nada no negócio dos combustíveis.”

DO “NEW YORK TIMES”
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/