Roberto Tranjan explica como pequenos gestos podem gerar grandes repercussões
É bem provável que você se ressinta do atendimento que tem recebido no comércio. Nem sempre a pessoa do outro lado é atenciosa e tem real interesse por suas necessidades. Na maior parte das vezes, as transações são do tipo “toma lá, dá cá”: você recebe o produto ou serviço, paga por ele, ou paga por ele e depois recebe o produto ou serviço. Assim, sem mais nem menos, ou muito menos do que mais. Você vira as costas enquanto o atendente chama o próximo cliente, a quem trata do mesmíssimo jeito do que reservou a você, porque considera todos iguais, com as velhas e surradas demandas, chatices e indaGações.
O fato é que, quando o atendimento sai do lugar-comum, chegamos a ficar embasbacados. E não pense que a nossa surpresa está relacionada a algum fato ou atitude pirotécnica. Nada disso. Encantamo-nos por pouco, tal a nossa carência: alguém que nos olha nos olhos, nos chama pelo nome, nos acompanha até a porta da loja, nos brinda com exclusividade, empenha-se em compreender os nossos problemas, interage, sugere e assume o nosso problema como se fosse seu.
O comércio é uma arte! Não é para qualquer um. É para quem gosta de gente e conhece a natureza humana. Pois se a conhecemos, reconheceremos que somos, no fundo, “vulneráveis, ávidos de amor e intimidade, empenhados em restaurar nossas energias, com mais perguntas que respostas, e, acima de tudo, humanos, demasiadamente humanos”, como dizia Nietzsche.
Um diferencial de verdade
O atendimento, com excelência, é um importante diferencial nos negócios. Sabemos disso porque sentimos na pele, como clientes. E também quando somos os ofertantes. Embora tenhamos ciência disso, são poucas as empresas capazes de inserir esse diferencial em seus negócios. Pois não é algo que se consiga alcançar com conjunto de normas ou regras. De que adianta baixar uma ordem do tipo “você tem que fazer isso dessa maneira”, se o que for solicitado não fizer sentido para o atendente?
O atendimento, com excelência, tem mais a ver com princípios e valores do que com normas e regras. Um princípio diz: “Isso funciona… e vem funcionando desde o início dos tempos”. Sim, porque os valores que o sustentam são o respeito, a dignidade e o amor. E esses valores funcionam desde o início dos tempos.
A diferença entre o que manda a regra e o que reza o princípio é muito grande. O atendimento não precisa ser modelado para que seja excelente. O que ele precisa é ser excelente dentro dos princípios que o moldam. Não é uma questão de padrão; é uma questão de valores.
Se almejamos excelência no atendimento o tempo todo, é preciso transformar essa intenção em uma cultura, não em um conjunto de procedimentos. Instituir uma cultura depende de ação disciplinada.
Excelência como cultura
A moça que recepciona os clientes na entrada da academia pode contribuir, a seu modo, com a saú1 7 empreendedor | março 2013
de física de quem lá frequenta. O rapaz que trabalha na secretaria da escola, naquela quase anônima e imperceptível tarefa de fazer registros, também pode oferecer a sua contribuição para a educação dos alunos. Da mesma forma que o gari que limpa o canteiro do meio da avenida pode integrar o conjunto de cidadãos que efetivamente melhoram o nível da higiene pública.
Inúmeras atividades podem se transformar em contribuições efetivas se os seus praticantes compreenderem que todo negócio é um misto de transação mercantil e relações humanas. A transação mercantil é a função econômica. Sozinha, é flor que não tem cheiro. São as relações humanas que amplificam o sentido das interações. Muitas vezes, essa maravilha se concentra em uma intensa troca de olhares, em um sorriso ou um sincero agradecimento. Pequenos grandes gestos, portanto. Verdadeiros. Capazes de trazer, facilmente, as emoções à flor da pele.
A excelência como cultura tem um segredo: é preciso praticá-la com intenção generosa, sem querer (ou esperar) nada em troca. Devemos pensar, primeiramente e, sobretudo, em contribuir. É nisso que devemos estar focados. Em nada mais. Se pensarmos na comissão ou no prêmio que vamos ganhar ou na meta que precisa ser atingida, estragamos a experiência. E o resultado, claro!
Quando pensamos em contribuir, fazemos isso generosamente com nosso tempo, nosso conhecimento, nossa atenção. Fazemos isso impulsionados por nossos valores, naquilo que verdadeiramente nos move. Pense bem! Nossas melhores contribuições não são materiais: o carinho, o afeto, a dedicação, o apreço, a verdade. Ouvir, apenas, é um pequeno grande gesto extraordinário de contribuição, principalmente quando essa escuta for atenta e interessada, sem julgamento ou censura.
Faça isso sem esperar nada em troca! Alguns clientes serão gratos e farão declarações apaixonadas por conta da experiência vivida em um atendimento feito com excelência. Mas não espere isso de muitos. E também não tem importância se isso não ocorrer de maneira justa. O mais importante da excelência como cultura, impulsionada por princípios e valores, é que ela é uma recompensa maior justamente para quem a pratica. Ou seja: a recompensa está no próprio gesto. Na alegria que se sente por contribuir, ter sido útil e ter vivido seus valores.
Pratique e seja referência
É muito provável que o grau de dedicação que um funcionário destina ao cliente não seja superior ao que a empresa reserva ao funcionário. Uma maneira de instituir a cultura da excelência através dos pequenos grandes gestos é quando o líder faz o mesmo com a sua equipe. Então, não meça esforços e comece já. Algumas dicas de pequenos grandes gestos:
• Acolha o colaborador que procura você pedindo ajuda. Mas faça isso por inteiro, no estado de presença. Não fique olhando a tela do computador, o relógio, o celular ou os papéis sobre a mesa. Fite o colaborador e empenhe-se em ajudá-lo com intensa dedicação. Transforme esse pequeno grande gesto em uma disciplina capaz de fazer com que a gentileza e a empatia façam parte dos seus hábitos. Naturalmente. Isso se estenderá por toda a empresa.
• Não espere que peçam ajuda. Preste atenção nas pessoas e verá como elas estão sedentas por um gesto solidário. Reflita sobre a melhor maneira de oferecer ajuda. Caso a caso. É um grande conforto para quem está à nossa volta saber que pode contar conosco. Da mesma forma que é uma satisfação retribuir essa expectativa, capaz de reforçar continuamente o círculo virtuoso entre as pessoas, incluindo os clientes.
• Sorria para descontrair o ambiente de trabalho, pois negócios também podem ser recreativos. Invente atividades lúdicas para que todos se divirtam. Nada a ver com o esforço para ser engraçado ou a mania de ficar contando piadas. Trata-se da alegria espontânea, do senso de humor, de incentivar a espirituosidade. Pratique com disciplina, até que a alegria seja um hábito incorporado na empresa.
• Realce as qualidades das pessoas de sua equipe, valorizando os pontos fortes de cada um de seus integrantes. Faça isso com sinceridade, até que a prática se transforme no hábito de enxergar e valorizar aquilo que as pessoas têm de bom.
Esses são apenas alguns pequenos grandes gestos que geram grandes repercussões no ambiente de trabalho. Imagine essa repercussão indo para o mercado, a partir de cada cliente. Cada intenção, cada decisão, cada gesto é algo que oferecemos ao mundo. Cada um de nós pode deixar a sua contribuição. Cada um de nós pode formar ou deformar o tecido. Depende do fio que puxamos até rebentar ou do fio que, paciente e delicadamente, trabalhamos, para que a trama se amplie e se reforce. É no fio dessa meada que está a magia dos pequenos grandes gestos.
* Educador da Cempre (www.cempre.net)
Imagem: www.fundacaofritzmuller.com.br