Cultura brasileira pode ser instrumento para pontuar falhas e acertos no atendimento

20 de setembro de 2013

O brasileiro é naturalmente carismático. E também é um negociante nato. Jorge Kodja, sócio-diretor da SAX – Inovação em Experiências de Cliente, falou sobre as características mais marcantes do nosso povo, seus prós e contras na arte do atendimento ao consumidor.  “O Brasil precisa conhecer o brasil. País tem vocação para ser exemplo de excelência em atendimento no mundo todo, mas para isso precisamos entender nossa matriz cultural”.

Ele aborda o fato de os negócios terem crescido significativamente no Brasil, portanto, o cenário tornou-se mais complexo. Além disso, o país recebeu 40 milhões de novos consumidores nos últimos anos. Some-se a isso o fato de hoje estarmos mais expostos ao mundo, já que nos tornamos fonte geradora de negócios e também passamos a ser anfitriões de grandes eventos internacionais. “Não somos contra importar referencias, mas é importante traduzir experiências para a nossa realidade, já que temos uma formação cultural muito distinta”.

Para entrar um pouco na diversidade e riqueza de referências de brasilidade, Kodja citou obras como Macunaíma, de Mário de Andrade; Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre; Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Hollanda; O Povo Brasileiro, de Darcy Ribeiro e Carnavais, Malandros e Heróis, de Roberto da Matta.

Sérgio Buarque de Hollanda diz: “A contribuição brasileira para a civilização será a cordialidade. Daremos ao mundo o homem cordial”. Sobre o assunto, Jorge exemplifica dizendo que em nenhum outro lugar se vê a criação de apelidos e abreviações de nomes com tanta rapidez. Luciana vira Lú e Eduardo vira Edu em poucos minutos de conversa no nosso país.

Mas o palestrante também aponta o ônus da cordialidade brasileira, que é a dificuldade de adotar posturas independentes, de se apoiar nos próprios méritos, como forma de amenizar comportamento errático. “No entanto essa postura quando bem usada pode ser primordial para o sucesso de uma empresa. A Natura, por exemplo, incentiva que suas consultoras estabeleçam uma relação pessoal com clientes, para reverter em vendas. O Pão de açúcar tem disponibilizado consultoras de clientes, apenas para auxiliar os consumidores a, por exemplo, como comprar para fazer uma festa ou jantar, a fim de criar um relacionamento pessoal”, diz.

Sabe com quem você está falando? X who do you think you are?
Roberto da Matta ilustra com essas duas frases o caráter autoritário no Brasil, de tentar subjugar, enquanto em inglês existe a intenção de igualar as situações. Mas o reverso está ganhando contornos reais, com inclusão social e educacional, acesso a universidades e ascensão social.

Outro exemplo dado por Jorge Kodja é um dos mais emblemáticos do país. “Macunaíma nasce à margem do Uraricoerana na Floresta Amazônica e já manifesta uma de suas características mais fortes: a preguiça”. A falta de senso de urgência do brasileiro e propensão ao atraso é notória, acontece em todos os níveis da cadeia e é sistemática. Toda a cadeia é contaminada pela falta de agilidade do brasileiro. Além disso, a falta de foco e atenção são crônicos no nosso povo, segundo o palestrante.

Mas isso também pode ter um lado positivo e pode ser traduzido em apreço pela qualidade de vida como em poucos lugares se vê. “O brasileiro é naturalmente feliz. Alegria é espontânea, não fabricada com recursos como poder levar cachorro ao trabalho. E isso pode ser produtivo para o mercado de lazer, turismo e entretenimento”, explica.

Somos frutos de uma forte miscigenação sem preocupação com a pureza da raça. A frase de Gilberto Freyre, no livro Casa Grande e Senzala, é uma tradução da improvisação e flexibilidade diante das diferenças, reação ágil às adversidades ou o que se chama popularmente de jeitinho brasileiro, ou seja, criatividade para lidar com situações problemáticas. Infelizmente essa capacidade também se aplica para transgredir as regras e leis.

Isso é um conceito aplicado também na aclamada economia criativa, que prima pela diversidade de pensamentos e criatividade. Espaço para essa característica é muito útil ao lidar com clientes.

E se Deus quiser, tudo vai dar certo. Essa frase, usada por mais de 200 milhões de brasileiros, mostra a fé e delegação de importância para algo superior. Não sabemos planejar. Trabalhamos muito mais no nível da intenção, da crença no acaso do que do planejamento.

Mas, por outro lado, Kodja mostra que nosso otimismo é inesgotável e admirado e que a energia positiva bem canalizada pode gerar resultados extremamente interessantes para as empresas.

Por meio dos resultados de uma pesquisa da Sax, Jorge assinalou os cinco comportamentos que mais incomodam o brasileiro no atendimento:

Não demonstrar interesse pelas minhas dificuldades
Responder perguntas de forma vaga
Perguntar várias vezes a mesma coisa
Conversar com colegas enquanto espero
Mostrar-se distraído enquanto eu falo

Ou seja, a combinação do nosso caráter personalista, gregário, diverso e otimista com um bom potencial, culmina no 5º pior resultado no índice em satisfação entre 28 países analisados, segundo a Zendesk.

Como diria a personagem de O Povo Brasileiro, de Darcy Ribeiro, Francisca: “não dá nem para rir, né?”.

No entanto, é preciso entender também os cinco pilares do bom atendimento pela perspectiva brasileira

  • Confiança
  • Evidências
  • Tempo de reação
  • Empatia
  • Cortesia

E para que isso aconteça é preciso:

1. Formalizar. Isso tudo precisa ser incorporado de forma formal aos processos. E isso raramente acontece. Somos o país da descontração, afinal.

2. Desenhar. Brasil precisa adotar e levar a sério o Design de Serviços, uso de técnicas de design para realmente desenhar e estruturar serviços em todas as dimensões sempre com foco no cliente. “Essa técnica é bastante nova em todo o mundo, mas crescerá e pode ajudar o Brasil pelo seu caráter estruturante e de detalhamento”, diz Kodja.

3. Abrir mão do nosso maior vício, gente. Abraçar novas tecnologias e processos sem medo é necessário, pois no Brasil quando se contrata mais pessoal para otimizar as tarefas, as pessoas acabam se ‘encontrando’, socializando e atrasando as tarefas, como, por exemplo, vendedores de lojas que se engajam numa boa conversa e deixam o consumidor de lado.

4. Valorizar os comportamentos tanto quanto tarefas e produtos. Menos foco no “o que” se vende e mais no “por que”. Satisfação vem se correlacionando cada vez mais à experiência do que ao produtos, que estão, afinal, se comoditizando, portanto, no fim das contas, todo mundo acaba vendendo a mesma coisa. Logo, é preciso fortalecer uma marca pela experiência de compra.

5. Endurecer sem perder a ternura, jamais! Afinal, o brasileiro reage mal a punições de forma geral e acaba se desestimulando.

“A excelência da experiência de clientes não é fruto de aleatoriedade ou acaso. Em empresas que executam experiências de cliente de maneira excelente, o que se encontra é muito procedimento, desenho e pensamentos”, finaliza Jorge Kodja.

Fonte: Consumidor Moderno