O “rolezinho” e o futuro das redes sociais

6 de fevereiro de 2014

O rolezinho e o futuro das redes sociais

Imagine que você está no ano de 1983 e pretende convidar 6000 pessoas para um ponto de encontro.

Se você não é dono de um jornal, rádio ou rede de televisão, as tecnologias de comunicação à sua disposição são cartazes, panfletos impressos, chamadas telefônicas e, claro, o bom e velho boca a boca. Será necessário o envolvimento de muitas pessoas e uma boa dose de esforço e paciência para que a sua mensagem tenha o alcance desejado.

De volta para 2014, cumprir essa mesma tarefa envolverá bem menos dificuldades. Você poderá fazer tudo sozinho e dependerá, no máximo, de três coisas: ter acesso à internet, uma conta no Facebook e um mote para o seu evento.

Foi assim, convocados e organizados ao cabo de meia dúzia de cliques, que cerca de 6000 jovens se encontraram no Shopping Metrô Itaquera no dia 8 de dezembro de 2013. A reunião atraiu a atenção da imprensa e da opinião pública para os chamados “rolezinhos”, encontros massivos de jovens em shoppings que têm se espalhado por todo o país nas últimas semanas.

Quem acompanha as notícias tem procurado entender os complexos fatores sociais, culturais e comportamentais por trás dos eventos.  À parte de divergências e polarizações sobre o assunto, é de comum acordo que o fenômeno conseguiu se manifestar, em grande medida, pela acessibilidade e pelo poder de mobilização das mídias sociais.

Porém, como já disse Ben Rooney, ex-editor de tecnologia do The Wall Street Journal, as tecnologias de comunicação são um recurso moralmente neutro. Isso quer dizer que, numa disputa de interesses, elas podem servir tanto a um lado quanto ao outro.

Ao mesmo tempo em que facilita a organização dos “rolezinhos”, a tecnologia também dá chance para que o governo e os próprios shoppings possam descobrir quando e onde serão os próximos encontros, antecipar-se a eles e lançar mão de recursos para impedir que aconteçam.

Assim, nos últimos dias, inúmeras páginas no Facebook convocando usuários para participar de “rolezinhos” têm sido bloqueadas. A pedido dos próprios estabelecimentos, encontros marcados para acontecer nos shoppings Metrô Tatuapé e Center Norte, por exemplo, sumiram da rede social.

No entanto, outro tipo de tecnologia desafia o jogo. Mesmo sem o Facebook, os adolescentes dos “rolezinhos” podem contar com serviços de troca privada de mensagens, como o WhatsApp.

São plataformas desse tipo, na verdade, as que mais têm crescido entre usuários jovens. Só o WeChat, serviço de mensagens diretas que concorre com o WhatsApp, teve um aumento de 1021% no uso por adolescentes em 2013.

Além de chamar a atenção de cada vez mais consumidores e investidores, o sucesso das plataformas privadas tem cutucado as mídias sociais já estabelecidas no mercado.

Recentemente, o próprio Facebook tentou comprar o SnapChat, um aplicativo de troca de vídeos e fotos que se autodestroem em 10 segundos. Mesmo oferecendo 3 bilhões de dólares pela aquisição, a empresa recebeu um redondo “não” da startup como resposta. Segundo Evan Spiegel, CEO e cofundador do aplicativo, “poucas pessoas conseguem construir um negócio assim, e trocar isso por um ganho de curto prazo não é interessante”.

Spiegel chocou o mercado com a sua resposta a Mark Zuckerberg, mas sua ousadia pode compensar. O Instagram, que em 2012 aceitou ser comprado pelo Facebook por 1 bilhão de dólares, hoje é desdenhado por muitos no Vale do Silício como uma startup que se rendeu rápido demais, por dinheiro de menos.

A recusa da bilionária oferta do Facebook por Spiegel evidencia a grande valorização das redes sociais privadas como filão de mercado e destino de investimentos.

Essa posição de vantagem se explica por uma razão simples. Apesar de ainda não gerar lucro algum, plataformas como o SnapChat têm conseguido cativar um público crítico e muito disputado pelas empresas de tecnologia: os jovens. Isso é um claro sinal de alerta para o Facebook, que já admitiu estar sendo abandonado pelos adolescentes.

Mas não é apenas o sono de Mark Zuckerberg que tem sido perturbado.

Em dezembro do ano passado, o Twitter reformulou seu serviço de mensagens diretas, permitindo o envio de fotos de forma privada. Dois dias depois, o Instagram lançou uma nova funcionalidade que permite o compartilhamento de imagens e vídeos de forma pessoal e exclusiva. Enquanto isso, o WhatsApp anunciou que possui 400 milhões de usuários ativos – muito mais do que os 150 milhões do Twitter.

O mercado como um todo parece compreender que interações mais pessoais, restritas a poucos usuários, são necessárias mesmo em um universo que sempre teve como emblema o compartilhamento público de informações.

Não que as redes para contatos individuais dominarão o mercado e matarão outras propostas. Com o amadurecimento do mercado, a consolidação de distintas soluções para a comunicação digital forçará uma reacomodação dos players. Será ao longo desse processo que alguns padecerão e outros seguirão competitivos.

Para as próximas gerações, conversar, trocar vídeos e enviar fotos – e até marcar “rolezinhos” ou quaisquer outros eventos – serão atividades realizadas não em uma única plataforma universal e totalizante, como quer o Facebook, mas em diferentes mídias de nicho, cada qual adaptada a uma finalidade específica.

Afinal, os ventos parecem soprar para um cenário em que comunicação em mídias sociais será desenrolada em uma gama de serviços difusa, pulverizada e especializada – tudo com grande ênfase na mobilidade.

Com tantas mudanças à vista, vale uma última pergunta hipotética.

Quanto esforço será necessário se você quiser reunir 6000 pessoas em um ponto de encontro daqui a, digamos, 50 anos? Talvez a sua maior dificuldade será decidir qual plataforma é a mais eficaz para a sua empreitada, entre tantas – ah, tantas! – alternativas.

Fonte: exame.abril.com.br