Total de bancos comunitários passou de 51 em 2009 para 104 este ano. Aumento foi favorecido pela abertura de editais federais de apoio
O número de bancos com moedas próprias mais que dobrou nos últimos cinco anos no Brasil, segundo dados da Rede Brasileira de Bancos Comunitários. Em 2009, existiam 51 instituições no país, contra 104 este ano.
No ano passado, esses bancos – administrados por associações de moradores – foram responsáveis por movimentar R$ 18 milhões em crédito produtivo e R$ 600 mil por meio das chamadas “moedas sociais” (o dinheiro tem lastro em reais e pode ser aceito apenas por comerciantes credenciados na região do banco).
As moedas sociais são usadas para estimular o comércio de áreas carentes. Elas garantem que o dinheiro circule apenas entre comerciantes e moradores locais, e não se disperse por outros lugares, como acontece com o real. Assim, o retorno econômico é garantido.
Além disso, os bancos comunitários são criados para contornar a falta de serviços bancários em bairros e cidades do país. Eles ainda são importantes por causa de seus papéis sociais: como são controlados por associações de moradores, a própria comunidade é que decide para onde o investimento será direcionado, já que é ela que aprova os empréstimos.
Regras
Atualmente, essas instituições estão concentradas no Nordeste (51), região que é seguida pelo Sudeste (27), Norte (16) e Centro-Oeste (10). Segundo a Rede, não há bancos comunitários no Sul. O principal estado do Nordeste nessa área é o Ceará (37), lar do Instituto Palmas, responsável pelo primeiro banco do país: o Palmas, aberto em Fortaleza em 1998.
As instituições são abertas com a ajuda de grupos respaldados pelo Banco Central, como o próprio Instituto Palmas. “Prefeitos ou moradores nos procuram para abrir um banco e nós fazemos o projeto. É preciso em média R$ 60 mil para começar, comprar equipamentos e fazer a moeda”, explica o coordenador do Instituto Palmas e diretor da Rede, Joaquim Melo.
Além disso, é necessário seguir algumas regras: uma moeda social deve valer R$ 1; é preciso existir o câmbio entre as moedas; a circulação do dinheiro deve ser restrita à região do banco e deve existir livre aceitação – ou seja, ninguém é obrigado a aceitar a nova moeda.
Quando o projeto é aprovado, inicia-se a formação financeira das pessoas que vão administrar o banco, que são moradores da própria comunidade e geralmente nunca trabalharam na área. Elas contam com o apoio dos institutos durante um tempo, mas depois começam a trabalhar por conta própria.
O mais recente banco do tipo inaugurado foi em Maricá, no Rio de Janeiro. Ele foi feito em parceria com o Instituto Palmas e com a prefeitura da cidade, que fundou o “Bolsa Mumbuca”, uma complementação de renda semelhante ao “Bolsa Família”, mas que usa a moeda social “mumbuca”. Diferentemente das outras instituições já existentes, o projeto é o primeiro do país a usar a moeda social eletrônica com um cartão de débito.
Segundo Melo, um banco na periferia de Fortaleza deve ser o segundo do país a receber a moeda eletrônica. “Governos de muitos municípios estão nos ligando, pois a ideia é boa não só para quem consome, mas também para quem produz”, afirma.
Editais
De acordo com especialistas e pessoas envolvidas na área ouvidos pelo G1, o aumento do número de bancos com moedas próprias desde 2009 foi favorecido pelo apoio da Secretaria Nacional de Economia Solidária, do Ministério do Trabalho e Emprego. Desde 2010, o órgão lança editais para estimular a abertura de novas instituições financeiras e manter as que já existem.
“O papel da secretaria foi importante, pois é difícil para cooperativas e associações de moradores conseguir financiamento. Assim, o potencial já existia, mas faltava o dinheiro”, destaca o coordenador do Núcleo de Economia Solidária da Universidade de São Paulo (Nesol-USP), Augusto Câmara Neiva.
Ao todo, o governo já repassou R$ 22,5 milhões para o setor por meio de dois editais – um em 2010, que gerou um pico de bancos em 2011 e 2012 (com 20 e 32 novas instituições abertas, respectivamente) e outro em 2013, cujo número ainda está sendo consolidado. “Os bancos são geralmente criados em cidades pequenas e pobres, mas há também alguns abertos em bairros carentes de capitais. O fundamental é que pertença à população”, diz o economista e secretário Nacional de Economia Solidária, Paul Singer.
Com os contratos firmados no ano passado, a secretaria espera que o número de bancos comunitários no Brasil suba para 191 em 2015. Esse crescimento deve ser direcionado para o Nordeste, o Norte e o Centro-Oeste, já que os editais estimulam a criação de bancos em regiões mais pobres dos país. “Damos pontos a mais para projetos nessas áreas”, afirma o diretor de Fomento à Economia Solidária da secretaria, Manoel Vital de Carvalho Filho.
Maria Vani segura as notas de ‘Comissari’ no
banco comunitário (Foto: Maria Vani de Caldas
Villani/Arquivo pessoal)
Dependência do governo
Segundo o coordenador do Nesol-USP, a maior parte do dinheiro dos editais é usada para manter o contrato dos funcionários dos bancos, pois o crédito para oferecer empréstimos é arrecadado por meio de eventos, como festas de bairro.
Por causa disso, quando o período de contrato previsto no edital termina, os salários também acabam. “Por isso, é muito importante que novos editais sejam abertos”, diz o professor Neiva.
O Banco Comunitário Padre Leo Comissari, em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, passou por essa situação. Durante um ano, os funcionários foram pagos por meio do Nesol-USP – instituição que ganhou o primeiro edital federal para gerenciar e abrir bancos no Sudeste. “Quando acabou, cada um teve que se virar. Mantivemos o banco voluntariamente”, conta a agente de desenvolvimento solidário Maria Vani de Caldas Villani.
O banco não chegou a fechar, mas limitou seu funcionamento. Com um novo edital aberto em 2013, uma instituição do Espírito Santo se tornou responsável por ajudar a manter o banco. “É difícil depender de edital, mas a nossa intenção é que, agora, com o novo contrato de um ano e meio, a gente consiga fazer novos parceiros para garantir um financiamento constante”, afirma Villani.
A Secretaria Nacional de Economia Solidária reconhece que ainda existem dificuldades nas políticas de apoio. “Editais demoram para ser feitos e apurados, bem como o repasse de recursos e o apoio técnico. É um processo de maturação, que vai levar um tempo que ainda não sabemos. Estamos aprendendo com tudo isso e aperfeiçoando as políticas”, aponta o diretor da secretaria, Carvalho Filho.
Fonte: G1 – Economia