Depressão atrapalha carreira, mas sintomas são ignorados

22 de abril de 2014

A maioria dos profissionais brasileiros não associa a depressão a sintomas cognitivos apresentados por quem tem o transtorno. São sinais que impactam diretamente na rotina de trabalho, como dificuldade de concentração, a indecisão e o esquecimento. É o que indica um estudo do instituto Ipsos Mori.

O estudo mostra que 53% dos profissionais que têm depressão apresentem ao menos dois desses sintomas, mas só 34% das pessoas em geral os associam à doença.

O choro sem razão e a perda de interesse nas atividades cotidianas são citados pela maioria como as principais características da depressão.

O estudo ouviu 1.000 trabalhadores com idades entre 16 e 64 anos.

DEPRESSAO FOLHA ABRIL

 

Segundo Wang Yuan-Pang, psiquiatra do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, a associação de sintomas cognitivos com a depressão é mais recente.

“Não se dava atenção a isso, mas nos últimos cinco anos vimos que esses sintomas são mais frequentes do que imaginávamos”, diz.

A editora de vídeos Carla Ferreira, 46, recebeu o diagnóstico de depressão no ano passado e já sentiu o impacto desses sintomas na sua rotina de trabalho.

“A dificuldade de concentração atrapalha. Às vezes eu esquecia detalhes na edição de reportagens e também não lembrava de passar recados.”

Apesar de médicos cogitarem seu afastamento, Ferreira preferiu continuar no emprego -segundo a pesquisa, 73% dos profissionais continuaram trabalhando no último episódio de depressão.

“Grande parte das pessoas que sofrem do problema não tira licença ou não revela que não têm condições de continuar. É que os sintomas cognitivos são mais fáceis de ocultar”, explica Wang.

AFASTAMENTO

Ainda assim, os dados mostram que um terço dos entrevistados diagnosticados com a doença já teve que se ausentar do trabalho em algum momento.

Dados do INSS indicam que o número de benefícios de auxílio-doença concedidos por conta da depressão cresceu 6% entre 2012 e 2013 -no ano passado, foram 81.845 concessões.
“O INSS está mais rigoroso para essa concessão, mas o número de afastamentos continua crescendo”, diz Wang.

Para Duílio Antero de Camargo, psiquiatra e médico do trabalho, o fato de o funcionário trabalhar mesmo apresentando sintomas da doença (presenteísmo), pode custar mais para a empresa do que quando ele se ausenta (absenteísmo). Isso porque o profissional não tem a mesma produtividade.

Elaine Cristina Carvalho, 49, está entre os 25% dos profissionais que já tiveram que tirar uma licença.

Ela era funcionária de uma empresa de telemarketing quando recebeu o diagnóstico de depressão, ansiedade e síndrome do pânico em 2008.

“Passei mal pela primeira vez no trabalho. Com o diagnóstico, o médico me deu o atestado de afastamento, mas a empresa não o aceitou.”

Segundo ela, o setor de recursos humanos da companhia alegava que “depressão não é motivo para se afastar”.

“Tive que me demitir. Saí sem direito nenhum e estou desde então fora do mercado de trabalho”, explica.

Eduardo Vieira, 34, é funcionário público e atuava na área de educação quando recebeu o diagnóstico de transtorno misto de depressão e ansiedade.

Ele diz que o problema foi desencadeado por não ter conseguido se adaptar a um novo local de trabalho. O afastamento fez com que uma função adicional de sua responsabilidade fosse cessada, assim como parte de sua remuneração.

“Não conseguia mais ir trabalhar. Estou afastado desde maio do ano passado e não pretendo voltar para a área da educação”, conta.

Para Clarice Gorenstein, professora do departamento de farmacologia da USP, as empresas precisam implementar políticas para casos de depressão.

“A baixa de produtividade decorrente da depressão já é reconhecida. O que as empresas precisam é implementar políticas para lidar com esses efeitos, principalmente de cunho educacional.”

Fonte: Jornal Folha SP – 06/04/2014 – Reportagem: Felipe Maia, Editor-Adjunto  de  “Carreiras”, Bárabara Libório, de SP. DE .