O brasileiro redescobriu o crédito nos últimos anos, mas pulou a fase de aprender a controlar os gastos e o orçamento. O resultado foi o alto endividamento da população e o crescimento da inadimplência na ressaca do forte crescimento dos empréstimos. Algumas coisas, porém, atrapalham a vida do brasileiro, como explica Thiago Alvarez, sócio do site Guiabolso, e que se dedica a estudar o comportamento financeiro das pessoas.
Alvarez e a equipe do Guiabolsa definiram cinco pontos que dificultam o planejamento financeiro dos brasileiros.
Eles estão descontrolados
O primeiro, é a falta de controle. O executivo observa que o Brasil é um dos poucos países do mundo, ao lado da Turquia, que permite o parcelamento dos pagamentos no cartão de crédito, o que faz o consumidor “esquecer” de parte das dívidas. “A pessoa calcula quanto ganha, às vezes sem descontos, tira o quanto tem de despesas fixas e acha que pode gastar o resto”, afirma Alvarez. “Mas esquece dos parcelamentos, que estouram a fatura do cartão de crédito”, diz. Para ele, o brasileiro acha chato controlar essas despesas e acaba gastando mais do que pode.
Devo, mas não admito
O segundo ponto é a falta de entendimento dos produtos bancários. As pessoas não sabem direito como funciona o cartão de crédito, as diferentes formas que ele oferece de pagamento e que podem reduzir os juros, como o parcelamento no ato da compra no lugar de deixar para rolar a fatura no vencimento. Além disso, não conhece outras opções de crédito que poderiam ser mais baratas, como o crédito pessoal ou até mesmo o cheque especial.
Para ajudar, o brasileiro não acha que cartão de crédito é dívida, diz Alvarez. “Dívida é só financiamento de carro, casa, carnê…”, explica. Segundo o executivo, o brasileiro considera que, se o cartão ou o compromisso não está atrasado, ele não é dívida. E o mesmo acontece como cheque especial, que vira um complemento do salário das pessoas, e não um endividamento.
No fim, tudo vai dar certo
O terceiro problema do brasileiro é ser muito otimista. “Tudo vai dar certo, se o banco deu o crédito, vai dar para pagar, mesmo que não se saiba como”, diz Alvarez. Assim, as pessoas acabam assumindo compromissos além de suas condições, com a esperança de que vão dar um jeito para pagar.
Crédito, esse desconhecido
O quarto problema é a falta de traquejo no crédito. Depois de décadas sofrendo com a inflação alta e sem condições de se planejar, o brasileiro não sabe bem ainda como gerenciar seu orçamento para evitar cair na inadimplência.
E, ao mesmo tempo, há uma oferta enorme de empréstimos que parecem ser a solução para a compra de um bem ou serviço desejado ou para resolver um problema financeiro em determinado mês. Assim, as pessoas se endividam sem antes fazer as contas se o orçamento será suficiente no futuro para honrar os pagamentos. “O planejamento financeiro ainda é uma novidade para grande parte da população”, afirma Alvarez.
Se meu cunhado tem…
O quinto e último problema é o fato de o brasileiro ser muito “aspiracional”, ou seja, quer sempre mais do que pode, seja por pressão social, seja pela ilusão do crédito fácil, afirma Alvarez. Assim, é preciso ter o carro mais caro ou o apartamento maior igual ao que o colega de trabalho ou o cunhado comprou ou morar no bairro mais chique onde estão os amigos ou colocar os filhos na escola mais cara junto com os filhos do chefe.
O resultado é que o brasileiro acaba gastando sempre mais do que ganha, mesmo quando ganha muito bem. “Por isso, o problema do descontrole financeiro não atinge apenas quem ganha pouco, ele independe da faixa de renda”, diz.
Alvarez dá o exemplo das modas e da pressão social dos colegas. “Temos um caso de uma pessoa em 2006, 2007, que comprou R$ 40 em ações porque todos os amigos estavam falando da bolsa, sem imaginar que o que pagou de corretagem e custódia era mais do que o valor aplicado”, diz.
Preocupação maior
O executivo acredita que, nos últimos anos, apesar do otimismo, o brasileiro está ficando mais preocupado com os gastos e seu orçamento. “O momento é de maior maturidade com os gastos”, diz Alvarez, citando dados do Google de que as pesquisas sobre controle financeiro e planilhas de gastos dispararam em janeiro e fevereiro. “Claro, pois esses são meses em que o dinheiro do 13º salário acaba e chegam as contas de início de ano”, diz.
Guarde dinheiro, pergunte-me como
Para Alvarez, a saída para evitar esses problemas é aumentar a educação financeira e a consciência das pessoas de que é preciso controlar o orçamento. Para isso, ele e o sócio, o americano Benjamin Gleason, procuraram as lições não só do mundo financeiro, mas também no das dietas, para criar um serviço de orientação econômica que desse resultado. “Conversamos com site Dieta e Saúde, pois a mudança envolve mudança de hábitos, assim como emagrecer”, diz Alvarez.
A sugestão foi conseguir algo que rendesse benefícios imediatos para as pessoas. “Se não houver resultados rápidos, a pessoa desiste”, diz.
Impacto imediato
A conclusão foi que a prioridade deveria ser um serviço de orientação que permitisse às pessoas equilibrar suas contas para sair do endividamento, e não um que orientasse as pessoas a investir melhor. “Tem muito mais impacto na vida das pessoas sair de uma dívida do cheque especial pagando quase 10% ao mês do que um serviço que mostrasse como ganhar 1%, 2% ao ano em aplicações”, diz Alvarez.
Além disso, o estresse das pessoas é maior quando elas estão com problemas de crédito. “O devedor está fragilizado e o banco nem sempre tem a melhor abordagem para oferecer uma solução de acordo com as necessidades daquela pessoa”, diz Alvarez.
Segundo ele, há um benefício para toda a sociedade quando o consumidor consegue tomar decisões financeiras melhores. “Isso reduz a inadimplência do sistema financeiro”, observa Alvarez. E menor inadimplência leva a menor risco e maior apetite dos bancos para emprestar.
Essa maior preocupação com o controle das contas explica o sucesso do Guiabolso, que em menos de uma semana quase dobrou o número de usuários ao oferecer uma ferramenta que atualiza automaticamente a planilha de gastos das pessoas com dados de cartões e de bancos. O número de usuários saltou de 2.700 durante a fase experimental da ferramenta, iniciada há três meses, para mais de 5 mil, do dia 14 ao dia 17.
Fonte: Yahoo