O vice-presidente do Banco de Desenvolvimento da China, Jian Gao, afirma que o país asiático volta a crescer acima dos 8%. “É uma questão de tempo”, diz ele nesta entrevista exclusiva
O sistema financeiro chinês ainda é subdesenvolvido. Essa é a opinião do vice-presidente do Banco de Desenvolvimento da China, instituição comparável ao BNDES brasileiro, e professor convidado da Universidade Harvard, Jian Gao, que virá pela primeira vez ao Brasil nesta semana para participar do MIT Sloan Latin America-China Conference. Para ele, o desenvolvimento é uma questão de tempo, assim como a volta do crescimento da economia acima dos 8%. “O arrefecimento será temporário”, afirma o especialista, em entrevista exclusiva à DINHEIRO.
Como o senhor descreveria o sistema financeiro chinês?
O sistema financeiro atual é caracterizado pelo tabelamento, pelo governo, das taxas as taxas pagas nos depósitos bancários – só recentemente as taxas cobradas nos empréstimos foram liberadas – pelo alto custo de financiamentos indiretos e pelo pouco desenvolvimento do mercado de dívida. Essa combinação de fatores indica que o sistema financeiro ainda está em um estágio preliminar de desenvolvimento.
Por que isso ocorre?
Há três grandes barreiras para o desenvolvimento completo: a dominação dos bancos estatais, que restringem a competição no mercado financeiro, o fato de haver três instituições regulatórias separadas, que impede que o sistema essencialmente bancário se torne sistema de mercado de capitais, e a lentidão na flexibilização das taxas de juros.
O governo vai deixar de regular as taxas de juros nos próximos anos? Quais devem ser as conseqüências disso?
A desregulamentação das taxas de depósito está na agenda. Mas a completa liberalização deve levar mais tempo. A principal consequência vai ser a redução do setor bancário. Já o mercado de capitais ainda vai demorar alguns anos para atingir um novo patamar. Com isso, vai haver um período de disfunção financeira.
Como está a questão das empresas que atuam no sistema financeiro chinês sem regulação, o chamado shadow banking?
As autoridades reforçaram a regulação sobre os shadow banks, pois entendem que eles representam um risco para o sistema financeiro. No entanto, as restrições não devem impedir as inovações, que são o motor das atividades financeiras e o mote para as reformas no sistema atual.
O que o senhor acha do banco dos BRICS e do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura? Essas instituições não se sobrepõem?
Existem complementariedades entre os países emergentes, então, eles têm interesses em comum. Além disso, possuem problemas semelhantes, como o pouco desenvolvimento do setor de infraestrutura. Tanto o banco dos BRICS quanto o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura têm como meta estabelecer plataformas de cooperação para atingir objetivos em comum.
Quais são as metas do Banco de Desenvolvimento da China?
Desde sua fundação, em 1994, o mandato do banco tem sido investir no setor de infraestrutura e auxiliar as indústrias chinesas. Nos últimos dez anos, o banco se tornou mais ativo nas áreas sociais, dando apoio a pequenas e médias companhias e microcrédito, além de ter se voltado para áreas como educação e financiamento de moradia para a população de baixa renda.
O senhor acredita que, no futuro, o yuan será uma moeda completamente conversível e se tornará uma alternativa ao dólar americano?
Acredito que o yuan será completamente conversível, mas isso não deve ser em um futuro próximo, assim como não se tornará uma alternativa ao dólar em poucos anos. É um processo de evolução que depende do processo de integração da economia chinesa com a economia mundial.
Como o senhor avalia a situação dos Estados Unidos e da Europa sob uma perspectiva chinesa?
A economia mundial agora começa a se recuperar. Os Estados Unidos conseguiram se restabelecer mais rapidamente devido ao seu mercado financeiro eficiente e ao seu mercado de trabalho flexível. Já a União Europeia enfrentou uma maré mais difícil por causa do problema com as dívidas soberanas. A economia alemã agora está em boa forma. A recuperação da economia nos países desenvolvidos vai proporcionar um ambiente favorável para os países emergentes.
E como o senhor vê a economia chinesa? O pouso será brusco ou suave?
A ideia de um pouso, seja brusco ou suave, não capta a natureza da economia chinesa ultimamente. Acredito que a China está numa confluência de um ciclo econômico e de um ciclo político, afinal ainda está na transição de uma economia planejada para uma economia de mercado, de um país exportador para um país inovador. As pessoas vão demorar a se acostumar com todas essas implicações porque não estão preparadas para as mudanças.
Quais são as consequências desse arrefecimento do crescimento chinês para o Brasil e para o mundo?
O arrefecimento será temporário. A economia vai voltar a crescer acima de 8% e ainda vai ser o principal motor da economia mundial. Mas no curto prazo esse esfriamento vai reduzir a demanda por matérias-primas de países, como Austrália, e terá um efeito negativo sobre os países emergentes. Mas será um fenômeno de curta duração.
Fonte: IstoÉ Dinheiro