A maioria dos leitores desta coluna deve concordar que 2014 não foi um ano memorável do ponto de vista de investimentos – os mais arriscados não foram claramente compensados por maiores retornos. O exemplo mais contundente foi a bolsa, com retornos negativos no ano próximos a 3%. O mesmo raciocínio, no entanto, pode ser aplicado aos títulos prefixados longos, que tiveram retornos próximos ao CDI no ano. Mesmo ativos que neste final de ano mostram retornos um pouco superiores aos juros básicos – como as NTN-Bs longas e o dólar – não recompensaram o investidor pela volatilidade apresentada. Aliás, volatilidade foi a marca do ano que se foi no mercado financeiro. Eleições domésticas, mudança de rumo na política monetária americana e queda nos preços do petróleo foram apenas alguns do motivos que justificaram os movimentos abruptos nos preços dos ativos no mercado local.
Passado 2014, a pergunta que surge é o que esperar deste ano? Vamos começar por alguns “consensos” para 2015. Desde já, vale dizer que visões consensuais sobre determinado ativo ou classe de ativos são as mais perigosas, pois uma pequena mudança na direção esperada pelo mercado pode provocar movimentos abruptos nos preços. Ainda assim, o exercício é válido.
Dentre as diversas classes de ativos disponíveis ao investidor local, uma recomendação bastante consensual é o câmbio. Em geral, o que se ouve dos especialistas é que, dados os desequilíbrios correntes e falta de competitividade da economia brasileira, o real teria que necessariamente se desvalorizar ao longo do ano como mecanismo de correção de tais problemas.
Esse argumento é verdadeiro para prazos bastante longos. No curto prazo, porém, as variações da moeda são ditadas primordialmente por movimentos na conta de capital (financeiro) e não pelo comportamento da balança de transações correntes (bens e serviços). Assim, para entender o que vai acontecer com o real neste ano, devemos prestar menos atenção ao que vai acontecer na balança comercial e mais nos movimentos de portfólio dos investidores globais. É bem verdade que a aversão ao risco aumentou de maneira abrupta, puxada pela forte queda nos preços do petróleo. Foi esse movimento que puxou o câmbio real/dólar dos 2,50 vigentes ao fim de outubro para os atuais 2,65. O movimento foi bastante forte quando se considera que a expectativa corrente do mercado (Relatório Focus) para o dólar no fim de 2015 é de R$ 2,80. A questão que se coloca, portanto, é se esse movimento de aversão ao risco global se acentuará ao longo do ano ou não. Se não, o investidor local faria um melhor investimento deixando o dinheiro aplicado em um fundo DI. Isso fica claro quando se tem em mente que, ao comprar dólares, o investidor local abre mão de receber os juros locais (CDI). Assim, simplesmente para “compensar” a perda do CDI do período, o dólar deveria ir para patamares um pouco inferiores a R$ 2,95, muito acima do consenso de mercado.
Duas variáveis são chave para respondermos à questão anterior. A primeira está relacionada aos impactos da queda do petróleo sobre o crescimento global. O receio atual dos investidores é que essa queda possa levar empresas e até mesmo países a uma crise de solvência, culminando com o default generalizado no setor. Não é possível descartar que algumas empresas mais endividadas apresentem problemas com preços de petróleo nos níveis atuais. Porém, o que não se pode perder de vista é que a recente queda abrupta nos preços de energia é positiva para o crescimento global. Não só reduz o custo de produção de indústrias intensivas em petróleo como também gera um efeito positivo sobre a renda dos consumidores globais na medida em que reduz os gastos destes com combustíveis para transporte e aquecimento. Adicionalmente, o Brasil em particular deve ter um alívio em suas contas externas entre US$ 5 bilhões e US$ 10 bilhões por conta dessa queda. Seguindo essa lógica, não parece razoável apostar que um evento com impactos positivos para a economia global seja o gatilho para um movimento generalizado e permanente de aversão ao risco.
Entretanto, o preço do petróleo não é a única variável importante para entender o comportamento do investidor global: o movimento de juros nas economias avançadas certamente tem peso até maior neste caso. Uma mudança abrupta no cenário atual de juros baixos poderia originar uma nova rodada de aversão ao risco global, puxando moedas de países emergentes e o real para patamares ainda mais baixos. Já argumentei nesta mesma coluna que o cenário de crescimento modesto para 2015 acoplado a uma forte queda nos índices de inflação globais deve empurrar para frente movimentos de reversão abrupta na política monetária (extremamente acomodatícia) atual. Mesmo o Fed, que parece estar liderando o processo de normalização de taxas de juros, deve promover esse ajuste de maneira bastante lenta e gradual, mantendo juros reais ainda no terreno negativo por alguns anos. Portanto, sem um choque de juros relevante, fica difícil acreditar que o atual nível de aversão ao risco vá recrudescer ainda mais.
Sem o empurrão adicional decorrente de um choque adverso nos juros das economias avançadas, e com o impacto da recente queda do petróleo sendo absorvido pelos investidores globais, seria de se esperar que a o grau de aversão ao risco destes mesmos investidores, na pior das hipóteses, não piorasse. Sem essa ajuda, ficar comprado em dólares ao longo deste ano pode se mostrar muito menos interessante do que o consenso parece sugerir. Pode até funcionar no curtíssimo prazo enquanto as incertezas correntes continuarem, mas, com o passar do tempo, o custo de oportunidade (CDI) vai certamente cobrar seu preço.
Fonte: Valor Econômico – Por Paulo Clini é diretor de investimentos da Western Asset