Comportamento Empresas brasileiras encontram novos formatos de negócios, estimulados pela tecnologia
Heitor Valadão lê revistas em quadrinhos desde que tinha 12 anos. Fã do Super-Homem, ele precisou se desfazer da coleção “umas cinco mil revistas no mínimo”, diz – depois de se casar. Não havia lugar suficiente no apartamento, onde ele abriga o mesmo número de filmes. Mas será difícil evitar novas compras nos próximos dias. Aos 36 anos e prestes a ser pai pela primeira vez, Valadão vai viajar de Belo Horizonte a São Paulo para participar da Comic Con Experience, uma convenção de cultura pop cujo ingresso mais caro custa R$ 5 mil. “Encomendei ilustrações do Aquaman a desenhistas profissionais para ser autografadas pelo Jason Momoa”, conta Valadão, animado. O ator americano, uma das atrações do evento, fez sucesso na série de TV “Game of Thrones” e vai interpretar o herói aquático no cinema.
Consumidores como Valadão colocam em evidência tanto a vitalidade da cultura pop como a influência crescente no mercado de entretenimento de um personagem até então subestimado: os nerds. Das 10 maiores bilheterias globais do cinema neste ano, que somaram quase US$ 7,2 bilhões segundo o site Box Office Mojo, quatro são filmes de super-heróis, uma preferência nerd. Os produtores de TV também têm explorado temas caros a esse público em séries populares como “Game of Thrones” (dragões), “The Walking Dead” (zumbis) e “The Big Bang Theory” (os próprios nerds). O mesmo ocorre com games, aplicativos e brinquedos.
No Brasil, a cultura pop ainda é relativamente pouco explorada, mas isso está mudando. Um sinal é a própria Comic Con Experience, que vai de hoje a domingo. A meta original dos organizadores era ocupar 15 mil metros quadrados e atrair de 40 mil a 60 mil visitantes. Com o interesse prévio despertado entre empresas e o público, o plano foi revisto e a convenção vai ocupar os 39 mil metros do Expo Imigrantes, na zona sul da cidade. A previsão é receber entre 80 mil e 100 mil visitantes. “Mesmo nas projeções mais otimistas, a expectativa é que só teriamos um cenário como esse em três anos”, diz Pierre Mantovani, sócio da CCXP, que organiza o evento.
Na esteira da “economia nerd”, muitas empresas brasileiras têm encontrado novos formatos de negócios, estimuladas pela tecnologia. Em 2011, o UOL comprou o BoaCompra, que publica e fornece meios de pagamento para jogos on-line. A empresa foi fundada em 2004, por Christian Ribeiro, que identificou uma lacuna na área. Muitos amigos não conseguiam comprar créditos para jogar via web porque não tinham cartão de créditointernacional. Ribeiro usava o cartão do pai para intermediar a compra dos companheiros.
Hoje, o UOL BoaCompra atua em nove países. Fornece créditos para jogos, que podem ser adquiridos de várias formas, incluindo boleto no Brasil e um sistema, no México, pelo qual os usuários pagam em dinheiro, numa farmácia por exemplo, para ativar um código, explica Marden Neubert, que comanda a empresa. “O componente social é a parte mais atraente”, diz o executivo. Os jogadores se reúnem em times, que têm torcidas. O fenômeno ganhou o nome de esporte eletrônico ou e-esporte. Na Comic Con, os torneios vão premiar os jogadores com R$ 210 mil. Só o vencedor de um deles vai levar para casa R$ 40 mil.
A Zeroum Digital, que começou em 1997 como agência e produtora de internet, passou a migrar seus negócios para a criação de aplicativos em 2010. Concluiu a transformação neste ano. A companhia selecionou personagens e propriedades infantis para transformá-los em softwares para celulares e tablets. Na lista estão Galinha Pintadinha, Patati-Patatá, Smilinguido, Os Pequerruchos-todos de apelo entre as crianças. “Esse tipo de aplicativo tem ótima aceitação e gera uma receita considerável e recorrente, porque sempre estão nascendo crianças; o público se renova rapidamente”, diz Roberto Irizuka, diretor de criação da Zeroum. A empresa já reúne cerca de 15 propriedades, para as quais produziu perto de 100 aplicativos. “Nos últimos três anos conseguimos nos estabelecer como uma das maiores ‘publishers’ brasileiras de aplicativos”, afirma Icizuka.
Na Livraria Cultura, um espaço disponível em uma das maiores lojas da rede, na avenida Paulista, deu origem a uma loja dentro da loja-a Geek.etc.br. A primeira ideia era reservar a área para vender jogos. A proposta evoluiu para a formação de um espaço que contemplasse também livros, gibis, bonecos colecionáveis, camisetas etc. A primeira Geek.etc foi criada em 2012. Hoje, metade das lojas da rede já conta com o espaço, diz Igor Oliveira, que idealizou o conceito. A despeito da tecnologia, um dos segmentos que mais cresce é o de jogos de tabuleiros, afirma Oliveira. Editoras como Devir e Galágapos investiram na área, trazendo títulos internacionais conhecidos, em português, o que ajuda muito na hora de decifrar os longos livros de regras que costumam acompanhar esse tipo de jogo.
No universo da cultura pop, parte dos produtos tem influência nerd, mas são de massa, Outros, ssão destionados a ias convictos. A PizziiToys começou a importar e distribuir colecionáveis – bonecos detalhados de personagens – em 2008. Entre 2010 e 2011, o empresário Renan Orenes, ele próprio um colecionador, passou a conceber e fabricar (na China) linhas próprias, com a criação da Iron Studios. Neste ano, a Iron abriu um loja na alameda Gabriel Monteiro da Silva, um tradicional polo de decoração em São Paulo. “Muitos arquitetos e decoradores passaram a comprar na loja”, diz Orenes. Os preços variam: vão desde chaveiros a um Hulk em tamanho natural de R$ 30 mil. Esta peça já foi comprada.
A própria Comic Con Experience é uma tentativa de estabelecer um novo negócio de cultura pop. O plano de criar uma convenção brasileira de grande porte começou há três anos. A Comic Con mais famosa é a de San Diego, mas o nome é apenas uma referência, não uma marca. Por isso, não precisa ser licenciada. Mantovani, do site Omelete, especializado em cultura pop, já acompanhava outras edições internacionais do evento. Com alguns sócios, criou a CCXP. A previsão é chegar ao equilíbrio financeiro com a primeira Comic Con Experience . Os demais projetos vão depender do sucesso da empreitada.
A despeito de iniciativas como essas, a avaliação é que a maioria das empresas no Brasil ainda não aproveita bem as vantagens da cultura pop. O problema? De um lado, há um desconhecimento de como funciona o mercado, diz Marcos Avó, da consultoria Lunica, de São Paulo. O modelo vigente é o do “blockbuster” – lançamentos milionários feitos por estúdios de cinema, por exemplo, em um personagem. Cabe às companhias entender se o personagem tem apelo para seu público e usá-lo nos produtos, aproveitando os investimentos em marketing já feitos pelo dono do conteúdo. Muitas vezes, essa oportunidade é perdida.
Ao mesmo tempo, diz Avó, os donos de conteúdo não têm sido tão agressivos como poderíam. Em vez de meramente fazer o licenciamento, eles poderíam propor projetos mais complexos para empresas de produtos de consumo ou varejo, sob um modelo de compartilhamento de receita. A ideia não é inédita, afirma o consultor, mas podería ser usada por mais empresas.
“É preciso estimular as marcas brasileiras a contarem histórias”, diz Mantovani, da CCXP. Na Comic Con, vai haver uma competição de quadrinistas encarregados de uma missão especial: criar uma história em quadrinhos para narrar as aventuras de engenheiros da Petrobras que exploram o pré-sal em ambientes inóspitos. O resultado será transformado em um livro digital que poderá ser baixado via internet. “Todo mundo quer ser astronauta porque os filmes os transformaram em heróis. Por que não fazer isso com personagens brasileiros?” diz Mantovani.
Fonte: Valor Econômico