Relações entre o Produto Interno Bruto (PIB) e dívida, reservas cambiais, base produtiva e níveis de emprego são distintos

Dois países, duas realidades: duas crises distintas. Grécia e Brasil – assim como boa parte do mundo – passam por situações econômicas delicadas. Embora as duas nações vivenciem aumento do desemprego, queda da atividade produtiva, gasto público excessivo, problemas de Previdência, deterioração da confiança, forte dependência de bancos e investimentos estrangeiros (entre outros pontos), o cenário e o histórico são bastante diferentes. A começar pela relação com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e outros credores e o controle da política econômica. Também são distintas a relação entre o Produto Interno Bruto (PIB) e a dívida, as reservas cambiais, a base produtiva e os níveis de emprego.
Como lembra o professor de economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Gustavo Ramos Sampaio, após entrar na Zona do Euro, a Grécia viu-se forçada a fazer um forte rearranjo. Elevou substancialmente os gastos de custeio e com o funcionalismo público, criando uma estrutura inchada. A relação dívida/PIB hoje está em 170%. “O déficit orçamentário lá está perto dos 14%. É cerca de quatro vezes mais do que o nível de tolerância permitido na União Europeia”, diz.
“De 2008 para cá, o Brasil também sofreu. Mas há uma grande diferença de estrutura econômica e de reservas, que nos permitiu segurar a crise. Além dos nossos setores produtivos e agrícola fortes. O setor produtivo grego foi praticamente desmontado. Muitas empresas fecharam e perdeu-se capacidade de reação”, complementa Sampaio. Na Grécia, serviços e turismo respondem por quase 80% do PIB. Lá, a crise é também de capacidade de pagar a dívida. Investidores foram fortemente afugentados, juros pipocaram e o acesso ao crédito desabou. O desemprego está perto dos 25%. Aqui, gira em torno de 8%.
Afora que o Brasil, ressalta o professor, não tem dívidas com o FMI desde 2000. A Grécia, além de dependente do fundo, tem política monetária submissa ao Banco Central Europeu. “Aqui temos a política fiscal nas mãos”, compara. As reservas cambiais ajudam a estabilizar a situação e pode-se mexer na taxa de juros para conter a inflação. “Temos tudo para sair da crise econômica: câmbio desvalorizado, setor agrícola com potencial de exportação, indústrias funcionando”, opina. Para Sampaio, o principal problema é a questão política.
Na avaliação do economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Marcel Balassiano, embora diferentes, as situações grega e brasileira podem ser creditadas aos governos. “A decisão do primeiro-ministro Alexis Tsipras de suspender reforma e privatizações, além de renegociar condições de socorro financeiro da Europa, levaram o país à situação atual”, afirma. Apesar de impopulares, medidas de austeridade e ajuste fiscal propostas estariam surtindo efeito. “Basta olhar para o saldo em conta corrente, saindo de déficit de quase 10% do PIB em 2011 para superávit perto de 1% no ano passado. O ajuste pelo qual a Grécia passou nos anos anteriores estava surtindo efeito. Mas o atual governo de esquerda resolveu ‘se revoltar’”, acredita Balassiano.
Para o economista Luciano D’Agostini, do Conselho Federal de Economia (Cofecon), medidas de austeridade como as da Grécia e países emergentes só funcionam quando a economia ainda apresenta crescimento. “Num cenário de recessão, esses ajustes fiscais tendem a piorar a situação”, afirma. As reformas que foram propostas à Grécia (assim como as que o próprio país se dispôs a realizar) poderiam ter ajudado a economia, se aplicadas mais cedo. “O governo grego teve várias oportunidades de fazer isso antes, mas preferiu mascarar resultados negativos para garantir lugar na União Europeia”, conta D’Agostini. Para o diretor de operações da assessoria de investimentos da FN Capital, Paulo Figueiredo, a maior lição da crise grega é uma filosofia mais antiga do que qualquer pensador de Atenas: “Não espere a situação ficar extrema para tomar uma atitude. Prevenção é a melhor estratégia”.
Fonte: Jornal do Commércio