Desde tempos remotos a mulher sofre as consequências de uma sociedade patriarcal que concedeu aos homens o poder de decidir os rumos da humanidade. Mas nos últimos anos, a voz feminina está cada vez mais alta e eloquente. Denúncias de violência, abusos e diversas formas de machismo aumentaram vertiginosamente e em todo o mundo se multiplicaram exemplos demonstrando que a mulher não ficará mais calada nem passiva.
A entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres, conhecida como ONU Mulheres, definiu como tema do Dia Internacional da Mulher deste ano, celebrado em 8 de março, o mote “Pensemos em Igualdade, Construção com Inteligência e Inovação para a Mudança”. A tendência do movimento feminista não é a luta de força entre os gêneros, mas essencialmente a igualdade de oportunidades. Ser mulher, homem, alto, baixo, negro, branco, gordo ou magro são rótulos de identificação para que a nossa estrutura social possa se organizar. Mas é preciso lembrar, e reafirmar, que o lugar de cada um de nós é aquele onde desejamos estar, independente de gênero.
Cada mulher desse planeta merece estar onde ela quiser. E muitas vezes esse lugar é no mundo dos negócios. Não é à toa que a diferença entre homens e mulheres no empreendedorismo brasileiro vem diminuindo a cada ano. Em números absolutos, cerca de 23,8 milhões de mulheres são empreendedoras no Brasil. O dado vem da pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM), que verificou o segundo melhor desempenho para a taxa de empreendedorismo brasileira desde 2002, quando o índice começou a ser medido. Segundo esse indicador, aproximadamente 52 milhões de brasileiros em idade produtiva estavam envolvidos com alguma atividade empreendedora no ano passado.
É o caso das sócias Siomara Leite e Daniele Kono, que abriram o Brechó Agora é Meu, em 2017 e o sucesso foi tão grande que agora se lançam no formato de franquia. “Com a crise, as mulheres foram atrás de uma remuneração para equilibrar o orçamento de casa. As que não conseguem um emprego no mercado de trabalho acabam se reinventando e abrem negócios pequenos atrás do empreendedorismo feminino”, avaliou Siomara.
Para elas, brechó é assunto sério e mais do que oferecer um modelito vintage, o que conta mesmo ali dentro é a experiência do cliente, que além de encontrar roupas e sapatos conceituais de grandes grifes internacionais, com aspecto e cheiro de novo, também contam com um serviço exclusivo de consultoria de imagem.
Daniele incentiva as mulheres a irem além da barreira do preconceito. “É preciso ter coragem para se impor com ideias inovadoras. A sensibilidade e a eficiência são os diferenciais da mulher empoderada. E, independente de gênero, é preciso ter pessoas boas ao seu lado, porque o crescimento do negócio é conjunto, ninguém cresce sozinho”, indica a empreendedora.
Lacuna em liderança
Apesar dos avanços, ainda existe uma grande diferença quando o tema são cargos de liderança. No Brasil, apenas 38% das mulheres ocupam cargos de nível hierárquico mais alto, como os gerenciais, enquanto na posição de presidência nas companhias, o número cai para 18%, conforme pesquisa feita pelo Panorama Mulher 2018.
Para escapar desse destino, muitas mulheres têm buscado mais capacitação e já são maioria absoluta nos bancos de universidades. Um grupo de empreendedoras criou a primeira escola com foco no desenvolvimento pessoal e profissional da mulher, batizado de ELAS (Exercendo Liderança com Assertividade e Sabedoria).
À frente do negócio estão Amanda Gomes e Carine Roos. O projeto já formou 200 mulheres desde 2017 e impactou outras três mil em suas extensões, com workshops e imersões. Das alunas certificadas pelo Programa, 30% foram promovidas ou aumentaram seu poder aquisitivo no prazo de 12 meses, após a participação no curso. “Buscamos ser o meio para que tantas mulheres competentes no Brasil e no mundo alcancem posições de destaque na sociedade e no trabalho e realizem sonhos que, hoje, parecem distantes”, conta Amanda Gomes. Conheça mais sobre o projeto em https://programaelas.com.br/.
Profissão de homem?
Já passou a hora de acabar com certos mitos persistentes.
Toda as mulheres são fortes e poderosas para escolher a profissão que bem entenderem e arrasarem. No país do futebol, a maior estrela do esporte atual é uma mulher, a Marta. Eleita seis vezes a melhor jogadora do mundo pela Fifa, Marta é atacante da seleção brasileira e do Orlando Pride figura pela primeira vez entre as mulheres mais poderosas do país de acordo com a revista Forbes.
Na economia, elas também estão ganhando mais destaque. Em um intervalo de seis meses, três mulheres foram nomeadas para a chefia dos departamentos econômicos das três instituições multilaterais de referência: Gita Gopinath, assumiu o cargo de economista-chefe no Fundo Monetário Internacional (FMI); Pinelopi Koujianou ocupa a mesma função no Banco Mundial (BM) e Laurence Boone, na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Aqui, no Sistema CNDL, Marcela Kawauti desempenha com louvor o cargo de economista-chefe do SPC Brasil, além de contribuir com sua coluna na nossa revista Varejo s.a.
Outro exemplo que surpreende os mais antigos é uma mulher no comando do avião que carrega o presidente da República em viagens oficiais. A capitã Carla Borges é a primeira mulher a pilotar o avião presidencial. Ela começou na função com o ex-presidente Michel Temer e continua com Jair Bolsonaro. Com mais de 1,5 mil horas de voo, Carla ainda realizou dois grandes feitos dentro da Força Aérea Brasileira: também foi a primeira mulher a pilotar um caça da FAB e a primeira a lançar uma bomba a partir de um caça.
Em duas rodas
Um ambiente predominantemente masculino que está sendo transformado por uma mulher. Desde 2010, quando assumiu a organização do Brasília Capital Moto Week, com seus dois sócios, Marco Portinho e Pedro Affonso Franco, Juliana Jacinto trabalha para quebrar tabus e mostrar que o Festival é um local para todos, inclusive para as mulheres.
Com mais de 20 anos atuando em eventos, mas com experiência em diversas áreas do seguimento, Juliana conta que um dos seus maiores desafios foi desmistificar que o motociclismo, assim como o Capital Moto Week, é algo voltado para homens.
“Nunca me senti intimidada ou desrespeitada trabalhando em um ambiente que, antes, era majoritariamente masculino. E, caso isso acontecesse, eu não aceitaria e nenhuma mulher deve aceitar. No início, até pensei que precisaria ser firme, mas tudo aconteceu de forma muito natural. O fato é que esse ambiente me estimulou muito porque eu percebi o quanto outras tantas mulheres se interessavam por este universo. A partir daí, comecei a pensar em projetos e ações que aproximassem mais esse público. Em 2016, por exemplo, criamos o espaço Lady Bikers – área dentro do evento para incentivar o empreendedorismo feminino – a pedido das próprias mulheres frequentadoras do Festival”, conta.
E a estratégia deu certo. Juliana revelou que o público do evento era outro há cinco anos. “Nessa época, apenas 30% eram mulheres. Em 2018, o percentual chegou a 46. E, para a próxima edição que vai de 19 a 27 de julho, a ideia é chegar ou ultrapassar os 50%”, comemora. Brasília Capital Moto Week é o maior evento motocicístico da América Latina e o terceiro maior do mundo.
Amor – Para Juliana, não é a velocidade que move a sua adrenalina, mas sim trabalhar com o que se ama e acredita. “Assim que o evento acaba, já estamos pensando na próxima edição. Se não há amor, humildade e muita vontade de realizar o que se gosta, o sucesso é algo mais difícil de ser conquistado. Trabalhar com o que ama faz isso porque desenvolvemos o nosso melhor”, conta. Mesmo com fama de ser objetiva e prática demais, é a sua sensibilidade que a faz ter uma percepção mais ampla do negócio, conseguindo agregar no evento ações para diversos público, principalmente as mulheres. “No último ano fiz um dia do Protagonismo Feminino, só mulheres no palco. Foi lindo”, finaliza.
Três perguntas para Ana Plihal
Em busca de compreender melhor as oportunidades, a revista Varejo s.a. conversou com Ana Plihal, head de Soluções de Talento no LinkedIn para o Brasil. Confira!
1) Como você vê o cenário atual de mercado de trabalho para as mulheres?
Diríamos que ainda temos um grande caminho a trilhar. Para efeito de exemplo, no LinkedIn, 45% de nossos usuários na América Latina no final de 2018 eram mulheres. No entanto, ao olhar para a senioridade de cargos na América Latina, apenas 39% das mulheres listavam cargos de liderança em seus perfis, enquanto o percentual era de 61% para os homens. Em outra pesquisa do LinkedIn, feita em parceria com o Fórum Econômico Mundial, identificamos que apenas 22% dos profissionais do mundo no ramo de inteligência artificial são mulheres. Isso traz um importante aviso que estamos com novas lacunas de gênero em tecnologias avançadas, com risco até mesmo de “algoritmos machistas”, como já foi observado em alguns casos em companhias. Muitas vezes, temos mulheres que possuem formação, experiência e habilidades para setores como o de inteligência artificial, mas não são incentivadas a se candidatar a essas vagas. Ou seja, as mulheres, mesmo aptas a determinada vaga, estão se candidatando menos ou não se candidatando. Falta entender o porquê.
2) Existem características que contribuem, ou atrapalham, o desempenho da mulher no mundo corporativo?
Não diria que são características femininas, mas podemos afirmar que muitas delas sentem que ser mulher pode ser um entrave para se destacar. É comum conhecermos ao menos uma mulher que já disse que não se candidataria a algo porque não se sente capaz, ou ainda, porque tem filhos e é a chefe da família. Infelizmente ainda são poucas as empresas que incentivam o trabalho flexível e entendem que não existe divisão entre o profissional e o pessoal. Eles andam juntos, já que uma pessoa precisa e deve vivenciar os dois ao mesmo tempo, não como se fosse uma pessoa totalmente diferente. Pelo o que notamos, as mulheres já se sentiram mais infelizes ou sem motivação em algum momento de sua vida, em relação aos homens.
3) Em tempos de denúncias recorrentes de abusos e feminicídios, como incentivar o empoderamento da mulher no mundo dos negócios?
Minha principal dica é não ter medo de falar, de se impor e mostrar o que acredita. Em primeiro lugar, uma mulher nunca deve deixar de relatar um assédio em seu trabalho atual, existindo ou não algum programa ou política anti-assédio na empresa. Em segundo, um dos valores do LinkedIn é “seja você mesmo”. A autenticidade é válida para ambos os gêneros, mas em especial, à mulher, que por muitas vezes se submete a situações que não opina verdadeiramente o que pensa ou ainda, sente que não tem espaço em seu trabalho como gostaria. Uma relação de trabalho, assim como uma relação pessoal, deve ser uma via de mão dupla.
Fonte: Revista Varejo S.A.