O varejo brasileiro ainda não conseguiu engrenar uma recuperação sólida após a pandemia, mas isso não impediu que a lista das redes mais ricas do país crescesse. A expansão é explicada, principalmente, pelo avanço das grandes cadeias regionais — parte delas familiares e com fundos como sócios — inclusive em áreas defendidas a todo custo pelas líders nacionais.
A edição do principal ranking do setor no país, com as 300 maiores varejistas do Brasil em 2022, lançada em evento na noite de ontem pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), mostra que 17 companhias entraram para o grupo de redes com faturamento acima de R$ 1 bilhão. Com isso, 173 empresas agora fazem parte dessa estatística, um número recorde na pesquisa.
Nos nove anos da publicação, essa é a segunda vez consecutiva que mais da metade das 300 cadeias listadas fatura montante superior a esse patamar.
Para efeito de comparação, cinco edições atrás, em 2017 — portanto, logo após a forte recessão que afetou duramente o consumo —, eram 120 varejistas bilionárias, e hoje, mesmo após a crise da pandemia, são 173, 11% a mais do que em 2021.
No grupo de “novas entrantes” com vendas acima desse patamar, e não identificadas nos levantamentos anteriores, estão marcas que foram ganhando escala nacional mais recentemente — como a Usaflex, de calçados, e a PetLove, de produtos para animais de estimação, dos fundos Riverwood e Kamaroopin. Ainda há outras que exploram áreas do Centro-Sul brasileiro, como a Cassol, de material de construção, sediada em São José (SC), cujo Estado fechou o ano de 2022 com a menor taxa de desemprego do país.
Mas o destaque principal são as cadeias do segmento supermercadista, que lideram a lista de novas bilionárias. Quase a metade (84) das 173 redes mais ricas do país atuam nessa área. Pesa o fato de o varejo alimentar ser altamente pulverizado no Brasil e movimentar meio trilhão de reais, mais que outros segmentos, e com expansão mais estável.
Já a participação das dez maiores varejistas, que lideram o ranking com boa folga, encolheu no faturamento total. Com negócios do peso de Carrefour, Assaí e Magazine Luiza, os três primeiros do ranking, as dez líderes do setor atingiram R$ 400 bilhões em vendas brutas em 2022, equivalente a 38,25% do total, mas com um recuo na participação de 1,35 ponto percentual sobre a edição anterior.
De 2019 para cá, portanto antes da crise sanitária, a fatia das 10 maiores caiu quase dois pontos. São negócios que continuaram a crescer em receita, com marcas consolidadas em suas praças, porém a venda aumentou em ritmo menor que outras cadeias do segmento, o que leva à perda de fatia no total geral.
Ainda há fatores específicos, que variam de rede a rede, como reestruturações e desaceleração de negócios (caso da Natura &Co, afetada pela Avon Brasil), além de operações impactadas por uma demanda que se contraiu mais do que para concorrentes regionais (caso de Magazine Luiza e Casas Bahia).
Enquanto a rede Novo Mundo, cadeia de eletrônicos sediada em Goiânia, região do agronegócio brasileiro, cresceu 12% em 2022, a Via, dona da Casas Bahia, praticamente não cresceu e o Magalu apurou alta de 5%.
“Há empresas surgindo como fenômenos regionais, como a Torra Torra [de moda para classe C] e a Caedu [também de vestuário]. É claro que elas não vivem numa redoma de vidro e precisam enfrentar os períodos de crise, mas as redes locais, principalmente no alimentar, se destacam pela qualidade na execução, porque conhecem profundamente o cliente regional, e são mais conservadoras em relação à alavancagem”, disse Alberto Serrentino, vice-presidente da SBVC e fundador da Varese Retail.
Para Eduardo Terra, presidente da SBVC, chama a atenção o aumento na quantidade de varejistas com vendas acima de R$ 5 bilhões e de R$ 10 bilhões ao ano. Nesse primeiro grupo, o volume de empresas cresceu 133% no intervalo de 2015 a 2022, e no segundo, houve avanço de 125%.
Só no ano passado, sobre 2021, a quantidade de empresas no primeiro grupo subiu 17%, e no segundo grupo, 12,5%.
“Essa turma representa o estrato do varejo que mais cresce, mais que algumas gigantes e mais do que o comércio médio e pequeno. Isso acontece porque eles já têm o tamanho ideal para ter escala importante nas negociações com a indústria, que têm interesse no crescimento dessas companhias. E parcela deles já tem uma estrutura digital interessante, e sem a complexidade tributária de operar em todos os Estados”, afirma Terra.
Entre esses grupos bilionários, 84 são supermercadistas (48,5% do total, 0,4 ponto acima da edição anterior). São nove companhias do segmento a mais na lista. Moda aparece em segundo lugar, com 20 empresas no grupo, quatro a mais que na edição anterior.
Na ponta contrária, redes de eletroeletrônicos e móveis, altamente dependentes de crédito, amargaram o efeito da alta nas taxas de juros entre 2021 e 2022, que derrubou vendas. O segmento voltou ao patamar de 14 empresas verificado em 2020. O mercado de perfumarias e drogarias, com 16 cadeias, não teve mudanças.
A diretoria da SBVC lembra que as vantagens estratégicas das grandes cadeias — como acesso a capital mais barato e a diferentes linhas em períodos de recursos escassos, e a capacidade de negociação com a indústria pela alta escala dos negócios — continuam sendo fundamentais para o crescimento. Esses fatores tiveram efeito relevante nos resultados dos últimos anos de crise no consumo.
Ainda segundo o levantamento, houve uma alta de 19,9%, em termos nominais, nas vendas das 207 empresas que divulgaram o faturamento de 2022 e 2021 (dados comparáveis no período). A taxa está acima da alta nominal de 14% do varejo, segundo dados do IBGE.
Ao se considerar todas as 300 do ranking, o faturamento de R$ 1,046 trilhão responde por 10,56% do PIB brasileiro e 4% de dos empregos com carteira assinada.
Além disso, 2,3% das 300 maiores em 2022 estão listadas em bolsa e apenas 15 do total têm lojas físicas fora do Brasil — sinal da baixíssima internacionalização do setor.
Das 300 empresas do estudo, 227 divulgaram suas quantidades de lojas nos últimos dois anos e encerraram 2022 com 62,9 mil unidades, alta de 7% na base total.
No entanto, houve aceleração das inaugurações de franquias, que exigem menor desembolso de caixa dos grupos em período de aumento do custo de capital, como em 2021 e 2022. Entre as dez redes que mais abriram lojas, seis operam com franquias. Além disso, o número total de lojas ainda está abaixo do patamar de 2015.
A SBVC elaborou o relatório com o auxílio do Centro de Estudos e Pesquisas do Varejo (CEPEV), da EACH/USP. Os dados foram obtidos com as próprias empresas, nas entidades setoriais, em balanços contábeis, publicações em veículos (dados oficiais), e em casos específicos, com base em estimativas feitas pelos técnicos da SBVC.
Na visão dos professores Francisco Alvarez e Marcos Luppe, ambos do CEPEV, continua a existir um ambiente difícil para as redes, mesmo passada a pandemia, o que vem obrigando as cadeias a manter “princípios de manutenção e sobrevivência financeira”.
A queda da taxa básica (Selic) deve melhorar esse cenário, na visão da diretoria da SBVC, mas isso deve ocorrer ao longo de 2024.
“O controle do giro de estoque deve ser contínuo e produtos sem venda devem ser liquidados para gerar fluxo de caixa. Em outras palavras, troque dinheiro ruim por dinheiro bom”, dizem eles em artigo do estudo. “A compra deve considerar prioritariamente o giro do estoque, em vez de aumentar os volumes em busca de descontos maiores. Favoreça parcerias com fornecedores para melhorar o giro”, recomendam.
Valor Econômico