As trocas e relacionamentos serão mais eficazes se nossos rituais forem baseados naquilo que as antigas tribos da Guiné já ensinaram: confiança e compromisso
“Estamos todos no mesmo barco” é o ditado popular. Frase propícia para refletir sobre o momento contemporâneo, em que pessoas se reúnem nas redes e nas ruas para contestar por uma política menos corrupta e uma sociedade mais digna e justa. Talvez, aqui seja preciso parar e perguntar: O que realmente está acontecendo? O que as pessoas querem? O que a sociedade precisa?
Falando em barcos, entre 1915 e 1918, o antropólogo Malinowski realizou um estudo sobre as tribos da Nova Guiné, onde conheceu um ritual de troca circular de objetos, denominado Kula, em que em determinado momento os indivíduos de ilhas diferentes se encontravam para realizar a cerimônia. No sentido horário, tribos navegavam para presentear os vizinhos com colares de conchas vermelhas, e na direção oposta, ou seja, no sentido anti-horário, eram transportados os braceletes de conchas brancas. Aquele que recebia um colar de conchas vermelhas estava obrigado a corresponder com um bracelete de conchas brancas e vice-versa.
As trocas nunca eram diretas. Esta cerimônia tinha como objetivo estabelecer relações sociais duradouras, manter uma comunicação efetiva e evitar a discórdia entre as tribos. O mais interessante do ritual era a maneira como se estabeleciam grandes redes sociais e relacionamentos baseados no compromisso e na confiança. Uma leitura superficial e contemporânea do Kula nos remete ao fenômeno virtual das redes sociais e seus desdobramentos presenciais, como os observados nas recentes manifestações ocorridas no Brasil e no mundo. No entanto, um olhar profundo sobre essa prática, em comparação às tendências atuais da comunicação e seus efeitos na união social, talvez nos aponte para o que realmente está acontecendo: a necessidade de trocar e relacionar-se.
“Nenhum homem é uma ilha”, escreveu o poeta inglês John Donne. Até as tribos que viviam em ilhas perceberam isso e, pela necessidade de troca, seja de objeto ou de afeto, criaram formas de se comunicar e se relacionar, com eficiência e harmonia. Embora a tecnologia tenha rompido as fronteiras do tempo e do espaço, ainda há coisas no ser humano que nenhuma técnica poderá transpor: a boa vontade. No fundo da efervescência social vislumbrada, há essa vontade de fazer parte, de trocar e de relacionar-se seja com o governo, com os meios de comunicação ou simplesmente com o outro.
A necessidade de todos é de compartilhar e regatar o sentido da confiança. Esta, talvez, seja a resposta natural à solidão, alienação e individualismo que a sociedade do consumo criou. Ao mesmo tempo, um modo de vida fugaz e vazio traz possibilidades de renovação. Como dizia Marx, “Tudo que é sólido desmancha no ar”. Se as sólidas bases de uma política que “ignorava” as vontades e necessidades sociais estão se desfazendo, ainda é cedo para dizer, mas, não é tarde para afirmar que a vontade de fazer parte tenha despertado em muitas pessoas. Que a comunicação é fundamental para o entendimento humano, os povos primitivos já sabiam; no entanto, que ela pode romper as fronteiras do individualismo e do território físico e material das necessidades sociais é o que a juventude tem descoberto.
No cerne de um movimento que clama por trocas e relacionamentos, alguns princípios das relações públicas atendem em grande parte o que esperamos do próximo: compreensão, diálogo e ação. Não basta dizer, é preciso agir. Porém, não basta agir de qualquer jeito; é preciso interagir e compreender o contexto e as pessoas. Cabe lembrar que interação envolve duas ou mais partes. Ou seja, apenas contestar ou reclamar não colabora, é preciso propor soluções realistas e participar das ações propostas.
Também, responder sem ouvir as perguntas e conhecer os problemas não é a melhor alternativa. Por isso, para compreendermos alguma situação, precisamos primeiro conhecê-la. “Se o conhecimento pode criar problemas, não é através da ignorância que podemos solucioná-los”, escreveu o russo Isaac Asimov. A compreensão envolve a empatia que temos a algo ou alguém que conhecemos. E, talvez, seja esta empatia a base da confiança que precisamos estabelecer entre as pessoas para resolver problemas sociais complexos e estabelecer relacionamentos efetivos.
Neste sentido, o presidente da Associação Brasileira de Relações Públicas (ABRP), Marcus Vinicius Bonfim, em palestra realizada na Universidade de Sorocaba (Uniso) no dia 24 de maio de 2013, afirmou: “Há demandas adormecidas para serem exploradas pelos profissionais de Relações Públicas, por exemplo, a comunicação governamental e os diálogos intersetoriais”. De fato, “se estamos todos no mesmo barco” e se “não somos ilhas isoladas” que não podem ser mediadas, as trocas e relacionamentos serão mais eficazes se nossos rituais forem baseados naquilo que as antigas tribos da Guiné já ensinaram: confiança e compromisso.
* Ana Cristina da Costa Piletti
Disponível em: http://www.cruzeirodosul.inf.br/
Imagem: www.ufrgs.br
* Ana Cristina da Costa Piletti é coordenadora do curso de Relações Públicas da Uniso (e-mail: ana.piletti@prof.uniso.br)