Como pequenos gestos podem gerar grandes repercussões

14 de agosto de 2013

Roberto Tranjan explica como pequenos gestos podem gerar grandes repercussões10

É bem provável que você se ressinta do atendimento que tem recebido no comér­cio. Nem sempre a pessoa do outro lado é atenciosa e tem real interesse por suas necessidades. Na maior parte das vezes, as transações são do tipo “toma lá, dá cá”: você recebe o produto ou serviço, paga por ele, ou paga por ele e depois recebe o produto ou serviço. Assim, sem mais nem menos, ou muito menos do que mais. Você vira as cos­tas enquanto o atendente chama o próximo cliente, a quem trata do mesmíssimo jeito do que reservou a você, porque considera todos iguais, com as velhas e surradas demandas, chatices e indaGações.

O fato é que, quando o atendimento sai do lugar-comum, chegamos a ficar embas­bacados. E não pense que a nossa surpre­sa está relacionada a algum fato ou atitude pirotécnica. Nada disso. Encantamo-nos por pouco, tal a nossa carência: alguém que nos olha nos olhos, nos chama pelo nome, nos acompanha até a porta da loja, nos brinda com exclusividade, empenha-se em com­preender os nossos problemas, interage, sugere e assume o nosso problema como se fosse seu.

O comércio é uma arte! Não é para qualquer um. É para quem gosta de gente e conhece a natureza humana. Pois se a co­nhecemos, reconheceremos que somos, no fundo, “vulneráveis, ávidos de amor e inti­midade, empenhados em restaurar nossas energias, com mais perguntas que respos­tas, e, acima de tudo, humanos, demasiada­mente humanos”, como dizia Nietzsche.

Um diferencial de verdade

O atendimento, com excelência, é um importante diferencial nos negócios. Sabe­mos disso porque sentimos na pele, como clientes. E também quando somos os ofer­tantes. Embora tenhamos ciência disso, são poucas as empresas capazes de inserir esse diferencial em seus negócios. Pois não é algo que se consiga al­cançar com conjunto de normas ou regras. De que adianta baixar uma ordem do tipo “você tem que fazer isso dessa maneira”, se o que for solicita­do não fizer sentido para o atendente?

O atendimento, com excelência, tem mais a ver com princípios e valores do que com normas e re­gras. Um princípio diz: “Isso funciona… e vem funcionando desde o início dos tempos”. Sim, porque os valores que o sustentam são o respeito, a dignidade e o amor. E esses valores funcionam desde o início dos tempos.

A diferença entre o que manda a regra e o que reza o princípio é muito grande. O atendimento não precisa ser modelado para que seja excelente. O que ele preci­sa é ser excelente dentro dos princípios que o moldam. Não é uma questão de padrão; é uma questão de valores.

Se almejamos excelência no atendi­mento o tempo todo, é preciso transfor­mar essa intenção em uma cultura, não em um conjunto de procedimentos. Instituir uma cultura depende de ação disciplinada.

Excelência como cultura

A moça que recepciona os clien­tes na entrada da academia pode contribuir, a seu modo, com a saú­1 7 empreendedor | março 2013

de física de quem lá frequenta. O rapaz que trabalha na secretaria da escola, naquela quase anônima e imperceptível tarefa de fazer registros, também pode oferecer a sua contribuição para a educação dos alunos. Da mesma forma que o gari que limpa o canteiro do meio da avenida pode integrar o conjunto de cidadãos que efetivamente melhoram o nível da higiene pública.

Inúmeras atividades podem se trans­formar em contribuições efetivas se os seus praticantes compreenderem que todo ne­gócio é um misto de transação mercantil e relações humanas. A transação mercantil é a função econômica. Sozinha, é flor que não tem cheiro. São as relações humanas que amplificam o sentido das interações. Muitas vezes, essa maravilha se concentra em uma intensa troca de olhares, em um sorriso ou um sincero agradecimento. Pequenos gran­des gestos, portanto. Verdadeiros. Capazes de trazer, facilmente, as emoções à flor da pele.

A excelência como cultura tem um se­gredo: é preciso praticá-la com intenção generosa, sem querer (ou esperar) nada em troca. Devemos pensar, primeiramente e, sobretudo, em contribuir. É nisso que devemos estar focados. Em nada mais. Se pensarmos na comissão ou no prêmio que vamos ganhar ou na meta que precisa ser atingida, estragamos a experiência. E o re­sultado, claro!

Quando pensamos em contribuir, faze­mos isso generosamente com nosso tempo, nosso conhecimento, nossa atenção. Faze­mos isso impulsionados por nossos valores, naquilo que verdadeiramente nos move. Pense bem! Nossas melhores contribuições não são materiais: o carinho, o afeto, a de­dicação, o apreço, a verdade. Ouvir, apenas, é um pequeno grande gesto extraordinário de contribuição, principalmente quando essa escuta for atenta e interessada, sem jul­gamento ou censura.

Faça isso sem esperar nada em troca! Alguns clientes serão gratos e farão declara­ções apaixonadas por conta da experiência vivida em um atendimento feito com ex­celência. Mas não espere isso de muitos. E também não tem importância se isso não ocorrer de maneira justa. O mais importan­te da excelência como cultura, impulsiona­da por princípios e valores, é que ela é uma recompensa maior justamente para quem a pratica. Ou seja: a recompensa está no pró­prio gesto. Na alegria que se sente por con­tribuir, ter sido útil e ter vivido seus valores.

Pratique e seja referência

É muito provável que o grau de dedica­ção que um funcionário destina ao cliente não seja superior ao que a empresa reserva ao funcionário. Uma maneira de instituir a cultura da excelência através dos peque­nos grandes gestos é quando o líder faz o mesmo com a sua equipe. Então, não meça esforços e comece já. Algumas dicas de pe­quenos grandes gestos:

• Acolha o colaborador que pro­cura você pedindo ajuda. Mas faça isso por inteiro, no estado de presença. Não fique olhando a tela do computador, o relógio, o celular ou os papéis sobre a mesa. Fite o colaborador e empenhe-se em ajudá-lo com intensa dedicação. Transforme esse peque­no grande gesto em uma disciplina capaz de fazer com que a gentileza e a empatia façam parte dos seus hábitos. Naturalmente. Isso se estenderá por toda a empresa.

• Não espere que peçam ajuda. Preste atenção nas pessoas e verá como elas estão sedentas por um gesto solidário. Reflita sobre a melhor maneira de oferecer ajuda. Caso a caso. É um grande confor­to para quem está à nossa volta saber que pode contar conosco. Da mesma forma que é uma satisfação retribuir essa expectativa, capaz de reforçar continuamente o círcu­lo virtuoso entre as pessoas, incluindo os clientes.

• Sorria para descontrair o am­biente de trabalho, pois negócios também podem ser recreativos. Invente atividades lúdicas para que todos se divirtam. Nada a ver com o esforço para ser engraçado ou a mania de ficar contando piadas. Trata-se da alegria espontânea, do senso de humor, de incentivar a espirituosidade. Pratique com disciplina, até que a alegria seja um hábito incorporado na empresa.

• Realce as qualidades das pessoas de sua equipe, valorizando os pontos fortes de cada um de seus integrantes. Faça isso com sinceridade, até que a prática se trans­forme no hábito de enxergar e valorizar aquilo que as pessoas têm de bom.

Esses são apenas alguns pequenos gran­des gestos que geram grandes repercussões no ambiente de trabalho. Imagine essa repercussão indo para o mercado, a partir de cada cliente. Cada intenção, cada deci­são, cada gesto é algo que oferecemos ao mundo. Cada um de nós pode deixar a sua contribuição. Cada um de nós pode formar ou deformar o tecido. Depende do fio que puxamos até rebentar ou do fio que, pacien­te e delicadamente, trabalhamos, para que a trama se amplie e se reforce. É no fio dessa meada que está a magia dos pequenos gran­des gestos.

* Educador da Cempre (www.cempre.net)
Imagem: www.fundacaofritzmuller.com.br