Para entendermos sobre o consumo de energia, é importante focalizar as diversas externalidades que cercam o ciclo de oferta e consumo deste recurso. Prover energia para suprir a crescente demanda é vista como um dos maiores desafios do milênio, considerando os sérios impactos ambientais que cercam a geração de energia e os custos sociais que a ela estão atrelados. A partir desse entendimento, é natural pensarmos em formas de conter a demanda de energia.
Então, por que mesmo estamos consumindo mais energia? É comum lermos que o consumo desse recurso está atrelado aos ciclos de desenvolvimento industrial e econômico, quando a demanda está condicionada à necessidade que as atividades produtivas têm de suprir a produção. Apesar dos indicadores econômicos apontarem estagnação econômica no Brasil e em grande parte do mundo, não entraremos neste aspecto especificamente.
Vamos falar sobre as pessoas, em seus lares; mesmo com crescimento econômico baixo ou ritmo lento, é fato que as pessoas, em suas casas, estão consumindo em 2013 até 9% mais do que em 2012. Então, o que explica isso?
Nossa experiência atendendo pessoas que cada vez mais se mostram preocupadas quando o assunto é energia, coloca-nos em quatro condutores do aumento do consumo.
São eles: o aumento das temperaturas e acirramento térmico das estações do ano (principalmente o verão), o desconto nas tarifas de energia decorrentes da política proposta pelo Governo Federal, a emergência econômica das classes D e E e o advento de novas tecnologias de entretenimento. Cabe destacar que as fontes citadas invariavelmente adotam um viés de interesse ou político acerca de gerar um entendimento que justifique o motivo das pessoas estarem consumindo mais. Melhor do que ater-se a esses vieses, é assumir que uma força atua como reforço da outra, dentro da estatística que nos diz que o consumo é maior, de toda a forma.
Logo, podemos analisar essas forças operando em conjunto ou isoladamente, aproveitando a interdependência entre elas. Vamos por partes:
1 – aumento das temperaturas no Verão 2013: somente em Janeiro e Fevereiro deste ano, dados citando a EPE (Empresa de Pesquisa Energética) relacionando aumento de consumo de energia às temperaturas mais altas do verão 2013 comparado com do ano passado somou 11,4% de acréscimo no consumo de energia. Nas classes sociais mais baixas, onde a penetração de aparelhos de ar condicionado ainda é muito baixa, notadamente, a ação que mais puxa consumo de energia nos picos de calor é a mudança da chave da geladeira para a posição Máximo de forma permanente (durante as 24 horas do dia), o que eleva em muito o consumo deste eletrodoméstico. Outros hábitos vem junto, como manter ventilador e ar condicionado ligado ao longo de toda a noite e longos períodos durante o dia.
2 – a redução nas tarifas de conta de luzcomo incentivador do consumo: item bastante pontual, só esta sendo mencionado em função da decisão do Governo Federal no final de 2012 de reduzir o gasto com energia elétrica para o mercado brasileiro, mas que motivou de fato as pessoas (segmento residencial). Segundo o superintendente do Ibre/FGV, Salomão Quadros, a tendência com a queda nos preços é o incentivo ao consumo. Representante do instituto Data Popular, Renato Meirelles, corrobora esta percepção, entendendo que a população decidiu “afrouxar o cinto” nos gastos domésticos com este energia, em troca de uma melhor qualidade de vida e mais conforto dentro de casa, como banhos mais demorados. Medições analisadas por esses órgãos associando o aumento de consumo em energia elétrica à redução das tarifas apontam que no segmento residencial o crescimento nacional no primeiro trimestre de 2013 foi na ordem de 6,6%, contra 2,5% de crescimento geral, no mesmo período.
3 – emergência econômica das classes D e E: a ascensão econômica recente das antigas classes D e E está fazendo com que o modelo de estratificação das classes sociais no Brasil esteja sendo revisto. Independente de posições políticas acerca da questão, é fato que pessoas vivendo em situação de exclusão econômica ou miséria são itens em extinção na sociedade brasileira, e o aumento de renda associado à expansão de crédito têm feito com que as pessoas residentes em bairros e comunidades antes lidos como reduto de pessoas mais pobres estejam experimentando transformação socioeconômica. Dados de auditoria de aparelhos e utensílios domésticos presentes nos lares de classes D e E atendidos pelo projeto HomeCarbon dão que índices superiores a 50% dos eletrodomésticos desses lares têm no máximo 3 anos de uso, sendo portanto aparelhos que devem se considerados novos. Ao visitar pessoas residentes em comunidades há pouco lidas como “carentes”, “excluídas” ou em regiões de pobreza, percebe-se que agora eles tem televisores e geladeiras de último tipo, e com frequência mais de um desses itens em suas casas. A lista desses aparelhos inclui ainda aparelhos de som, máquinas de lavar roupa, maquinas fotográficas, computadores e smartphones. Muitas já tem um segundo piso feito ou em construção, e não raro mais de um carro na garagem.
4 – disponibilidade e acessibilidade de novas tecnologias de entretenimento: a progressiva redução do custo aquisitivo de smartphones, tablets, notebooks, PCs, tem feito com que todas as classes sociais¸ ávidas por integrar redes sociais e acesso a conteúdos dos mais diversos, adquiram e incorporem o hábito de usar vários desses aparelhos simultaneamente. Esse hábito de consumo já tem nome: multi telas, em alusão ao usuário manter-se conectado a dois, três ou quatro aparelhos ao mesmo tempo. Só no Brasil, a recente pesquisa do Instituto Ipsos, encomendada pelo Google, aponta que no Brasil existem 30 milhões de usuários que têm o hábito de manipular 3 telas simultaneamente, contra 19 milhões na França e 16 milhões no Reino Unido. E vamos lembrar que tablets, smpartphones, notebooks, todos são carregados na tomada da luz, embora ainda não haja nenhuma pesquisa associando o hábito multi telas diretamente ao aumento de consumo de energia elétrica. Existe tentação de considerar esse fator de consumo como vinculado ao anterior, mas ele se diferencia por gerar demanda por equipamentos e aparelhos que até a poucos anos eram de baixíssima penetração ou até nem existiam, enquanto que emergência social associa a aquisição de bens duráveis tradicionais que as pessoas das classes sociais mais baixas antes não possuíam por restrição de renda ou crédito.
Invariavelmente, caímos na questão dos hábitos de consumo, ponto focal que sustenta o crescimento do consumo de energia. Questão complexa, e que por estar inter-relacionada com uma miríade de outras, precisa ser pensada como política pública, visando educar nossa população para preservação energo-ambiental. A boa notícia é que movimento simples já colocam as pessoas em marcha para as mudanças. Em breve, resultados desta experiência serão divulgados.
Fonte: (HomeCarbon/Mercado Ético)