Para o presidente do BC, a incapacidade do governo de oferecer infraestrutura adequada e a ineficácia da indústria provocaram um descompasso entre a oferta e a demanda. País não se preparou para absorver a entrada de 40 milhões de pessoas no mercado
A ascensão social de cerca de 40 milhões de brasileiros antes considerados pobres à classe média e ao mercado de consumo produziu inflação no país. A avaliação é do presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, que creditou à ampliação da renda familiar, por meio da forte correção do salário mínimo e do reforço do Bolsa Família, o fato de o custo de vida se manter sistematicamente acima do centro da meta de 4,5% ao ano perseguida pela autoridade monetária. Para ele, a persistência da carestia em patamar elevado — média de 6% ao ano — é estrutural. “Quarenta milhões de pessoas disputando consumo, não só de serviços, mas infraestrutura, têm impacto (nos preços)”, disse ontem, ao participar de audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal.
No entender de Tombini, nem o governo nem o setor privado se prepararam para atender o expressivo avanço da demanda. Do lado público, faltaram obras para a ampliação, por exemplo, dos aeroportos. Com a nova classe média entrando pela primeira vez em um avião, os preços das passagens aéreas dispararam. Também ficaram mais caros serviços básicos que antes eram luxo para esse público, como cabeleireiro, manicure, mecânico de carro e pintor de parede. Os aumentos acompanharam o salário mínimo e foram facilitados pelo fato de não se ter como importar esse tipo de mão de obra.
Do lado da indústria, faltaram produtos. Sem capacidade de investimentos e com a produtividade em baixa, as empresas tiveram que abrir espaço para os importados, o que, ressalta-se, ajudou a segurar parte dos aumentos de preços. O varejo, por sua vez, não se intimidou em remarcar constantemente as tabelas, certo de que, com a sensação de riqueza, inflada pela queda do desemprego e com os consumidores ávidos por satisfazerem necessidades reprimidas há tempos, pagariam o que fosse pedido. Essa festa do consumo foi amplificada pela oferta maciça de crédito. Não à toa, a nova classe média está sofrendo hoje com o superendividamento.
Juros elevados
Nem mesmo o fato de o país estar crescendo a um ritmo abaixo do desejado ajudou a derrubar a inflação, devido aos problemas estruturais, de descompasso entre a oferta e a demanda. O BC, inclusive, está apanhando para ao menos evitar o descontrole dos preços, até que o equilíbrio da demanda por mercadorias e serviços seja restabelecido. Desde abril do ano passado, a taxa básica de juros (Selic) vem subindo. Passou de 7,25%, piso histórico, para 10,75% ao ano, o mesmo nível entregue por Lula à presidente Dilma, e deve aumentar pelo menos mais 0,25 ponto percentual em abril próximo.
Trata-se de um dos mais pesados ciclos de elevação dos juros. Ainda assim, a inflação não cedeu e, pior, as expectativas dos agentes econômicos pioraram. Na média, o mercado aposta em um Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 6,11% para este ano. As cinco instituições que mais acertam as pesquisas realizadas pelo BC já falam em custo de vida de 6,43%, com viés de alta. Tombini garantiu, porém, que o Brasil não está fadado a conviver eternamente com a carestia. “Não há nada que nos condene a uma inflação acima do centro da meta”, disse. “Vamos perseguir (os 4,5%). Aliás, já estamos perseguindo (esse patamar)”, justificou. O governo, porém, terá que dar uma importante mão, a ampliar a infraestrutura do país e oferecer serviços de qualidade.
Fonte: Correio Braziliense