O desempenho cada vez menos dinâmico das vendas no varejo e a baixa confiança dos consumidores apontam para uma desaceleração no consumo ao longo deste ano, comandada principalmente por Sudeste e Sul, as regiões mais desenvolvidas. Apesar disso, o Nordeste segue no sentido contrário. Enquanto as famílias das demais regiões sinalizam disposição menor em consumir do que no ano passado, os nordestinos seguem confiantes – respaldados pela manutenção de bons resultados na geração de postos de trabalho.
Dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) mostram que a Intenção de Consumo das Famílias (ICF) caiu 7,4% na média do Brasil quando se compara junho deste ano com igual mês de 2013. Nesta mesma base, a ICF cresceu 4,3% no Nordeste, para 135 pontos, o nível mais elevado entre as regiões e o único resultado ainda crescente.
“O Nordeste tende a se destacar no que se refere a consumo, e isso reage muito ao que está acontecendo no mercado de trabalho. É a região onde o emprego tem os melhores resultados”, explica o economista Fabio Bentes, da CNC.
No primeiro trimestre de 2014, o Nordeste gerou 1,04 milhão de postos de trabalho em relação a igual período de 2013, uma alta de 4,9%, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A pesquisa contabiliza tanto empregos formais quanto informais. Trata-se do melhor desempenho entre as regiões, sendo superior à média nacional, que aponta crescimento de 2%, com 1,77 milhão de vagas abertas no período.
A formalização na região também é forte e tem colaborado para intenção de consumo se manter em níveis altos, avaliou Bentes. Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostram alta 2,2% no emprego formal no Brasil em 12 meses até abril. No Nordeste, esse avanço é de 3,3% no período, com destaque para os setores de comércio e serviços.
“O Nordeste é o que vem apresentando o maior crescimento em termos de emprego e foi a região que mais contribuiu para a queda do desemprego nos últimos trimestres”, observa o pesquisador Rodrigo Leandro de Moura, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). Segundo ele, a geração de postos de trabalho aumenta a massa de rendimentos obtida por uma população, impulsionando o consumo das famílias.
A explicação para a expansão do emprego no Nordeste em ritmo acima do observado nas demais regiões pode estar no custo de trabalho, que ainda é mais barato, a despeito de a defasagem na formação dos trabalhadores em relação a outros locais ter diminuído, avalia Moura. Com isso, empresas são atraídas a investir mais naquela região.
A taxa de desemprego por lá também é mais elevada (de 9,3% no primeiro trimestre deste ano, contra 7,1% na média do País), o que se traduz em maior disponibilidade de mão de obra. “O Nordeste está um pouco mais longe do pleno emprego do que outras regiões. Por isso, a geração de vagas é mais robusta”, explica o economista do Ibre/FGV.
O comportamento dos preços na região é um ponto a mais favorecendo o consumo. A inflação do varejo brasileiro calculada pelo IBGE no âmbito da Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) – o chamado deflator da pesquisa – ficou em 6,4% nos 12 meses até abril. No Nordeste, esse aumento foi menor, de 5%, calcula Bentes. “Isso tira um pouco do impacto da inflação na renda”, diz o economista da CNC.
Diante disso, os Estados nordestinos sustentam alta nas vendas no varejo mais robusta do que a média nacional. Em 12 meses, o volume comercializado no varejo avançou 4,9% no Brasil, mas atinge aumentos de 9,2% no Alagoas e de 6,9% em Pernambuco. Na Bahia, ainda que mais tímido, o crescimento de 5,1% ainda supera o resultado em nível Brasil.
Os programas de distribuição de renda também têm um papel fundamental na intenção de consumo, lembra o economista Alexandre Rands, da consultoria Datamétrica, baseada em Recife. Apesar de a evolução dessas políticas ter se estabilizado nos últimos anos, ele avalia que os impactos possíveis sobre a atividade ainda não se esgotaram.
“Com o aumento da demanda provocado pelas políticas de distribuição de renda, surgiram produções locais, mas isso ainda não se exauriu. Deve continuar acontecendo nos próximos quatro ou cinco anos”, afirma Rands, citando Feira de Santana (BA), Caruaru (PE), Juazeiro do Norte (CE) e São Luís (MA) como exemplos de cidades que sentiram na economia o impulso dado pelas políticas sociais.
Além disso, grande fatia da população do Nordeste recebe salário igual ou muito próximo ao salário mínimo, que teve aumentos reais nos últimos anos. Também contribuiu, na visão de Rands, a expansão do acesso à educação. “A qualidade ainda é muito ruim, mas lugares onde nem havia (escola) agora têm”, comenta.
“A região é mais otimista do que o resto do Brasil, uma vez que a perspectiva de aumento da renda é maior”, diz o economista da Datamétrica. Diante deste cenário, Rands prevê que o Produto Interno Bruto (PIB) do Nordeste crescerá 2,6% em 2014, acima da taxa de 1,8% esperada por ele para o total do País e maior ainda do que a expansão de 1,24% apontada por especialistas ouvidos pelo Banco Central (BC) para o Boletim Focus divulgado no último dia 16.
Mesmo sustentando desempenho melhor do que a média brasileira em termos de emprego e crescimento, o Nordeste não deve escapar da tendência de desaceleração. Com isso, o consumo e, consequentemente, seus reflexos no varejo devem sofrer uma acomodação.
“A expectativa é que tenha desempenho um pouco pior (em todas as regiões) no varejo, uma vez que o crescimento está desacelerando e o mercado de trabalho está pior”, diz Bentes, da CNC. Ele pondera, contudo, que a fronteira de crescimento da economia deve continuar concentrada nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste.
Fonte: Diario de Pernambuco