Pai veta mesada e transforma filhos em empreendedores

11 de agosto de 2014

Para João Kepler, é preciso mostrar que a felicidade só é possível com esforço. 

João Kepler e seus filhos Davi, Maria e Theo (Foto: Divulgação)
João Kepler e seus filhos Davi, Maria e Theo (Foto: Divulgação)

O nascimento de um filho muda a vida de uma pessoa. Em vez de pensar em si mesmo, um pai costuma traçar um novo objetivo para a sua existência: fazer com que essa nova criatura seja feliz. O problema é que muitos pais se esquecem de mostrar o quanto a vida pode ser dura. A busca por um equilíbrio – ou seja, dar carinho à criança e, ao mesmo tempo, alertá-la sobre as complicações que porventura surjam – não é uma tarefa das mais fáceis. Não há uma receita  para a educação de uma criança, mas uma família radicada em Alagoas cria seus filhos de uma maneira interessante: na casa de João Kepler, 44 anos, o empreendedorismo é ensinado desde o berço.

Kepler atua como investidor-anjo, comanda a empresa Show de Ingressos e ainda encontra tempo para dar palestras pelo país. Ele é pai de Theo, 15, Davi, 13, e Maria, 10. Kepler, como um bom pai não deveria deixar de fazer, dá tudo o que é necessário para a educação das crianças. Quer dizer, quase tudo: ninguém recebe mesada. “Com isso, quero mostrar para eles que nada na vida é fixo e garantido. Tudo depende das conquistas deles”, afirma.

Segundo Kepler, boa parte da educação que ele dá às crianças tem inspiração em como foi criado. Nascido em Macapá (AP) e criado em Belém (PA), Kepler é filho de paraibanos que nunca trabalharam como empregados. Apesar de bem de vida, Kepler não recebia nada do pai. “Ele não queria que as coisas fossem fáceis para mim. Ele dizia que a vida era um grande rio e que eu deveria me virar para buscar os peixes”, diz. Só que o pai foi mais rígido do que Kepler é hoje. “Ele não me ensinou as técnicas, não me disse que às vezes era preciso ter paciência para pescar.”

Apesar da rigidez, segundo Kepler, foi essa postura que o fez ir atrás de seus sonhos. Ainda adolescente, criou sua primeira empresa de informática em Belém. Largou o negócio para estudar nos Estados Unidos. Cerca de três anos depois, foi parar em Maceió (AL), onde trabalhou na iniciativa privada por alguns anos. Posteriormente, teve uma empresa de vendas e ainda criou a Credix, uma operadora de cartões de crédito que chegou a ter 300 mil clientes.

Na época da Credix, que foi criada em 2001, Kepler assume que não teve a melhor das posturas. “Fiquei orgulhoso demais, arrogante e presunçoso. Gastei dinheiro demais e acreditei em um sucesso que, na verdade, não existia”, afirma. Em 2007, problemas no fluxo de caixa com devedores e credores, culminaram no encerramento da operação. No entanto, os tempos de Credix renderam alguns frutos ao empreendedor. O principal deles é que as campanhas de marketing da empresa fizeram Kepler conhecer muita gente do setor de eventos. Por causa disso, ele resolveu empreender nessa área. “Uma coisa levou a outra. Minha empresa de eventos precisava de um sistema para vender ingressos. No fim, criei a Show de Ingressos em 2008”, diz. Nos anos seguintes, Kepler acumulou ainda as funções de investidor e palestrante.

Para Kepler, a criação que teve foi decisiva para suportar os altos e baixos da vida de empreendedor. “Meu pai me deu a resiliência necessária para a vida. Se eu fosse como meus amigos da juventude, que tinham carros caros e roupas de grife sempre à mão, não teria chegado aonde cheguei”, diz. Na hora de criar os filhos, Kepler seguiu os passos do pai, mas de uma forma “menos dolorosa”. “Não queria que os meninos tivessem a pontada de mágoa que eu tinha do meu pai.”

“A vida como ela é”

Theo, Davi e Maria têm casa, comida e educação de qualidade. No entanto, a suspensão da mesada os motivou, desde cedo, a buscar o próprio dinheiro.

Quando era mais novo, o primogênito de Kepler encontrou no MercadoLivre uma boa fonte de ganhos: ele pechinchava na compra dos produtos e tentava revender tudo a preços mais altos. Mais tarde, Theo criou a Maceió Pass, uma plataforma de ingressos focada no público jovem. Além disso, teve um canal de vídeos engraçados no YouTube que chegou a lhe render US$ 200 por mês. Por causa de problemas de direitos autorais, Theo fechou o canal, mas abriu o Tutera Play, também voltado para o entretenimento.

Davi, o filho do meio, vem chamando a atenção em eventos de empreendedorismo por todo o país. Vendedor nato, o menino começou oferecendo chicletes e cupcakes para os amigos. No segundo caso, Davi conseguiu ameaçar até a hegemonia da cantina da escola. Com a venda de cupcakes, ele conseguiu comprar uma Smart TV de 32 polegadas. Hoje, Davi está concentrado no lançamento de sua própria startup: a List-It, um sistema que facilitará a compra de material escolar. A plataforma permitirá uma busca em várias lojas, sempre respeitando os preços mais baixos. “Para estarmos prontos para o próximo ano letivo, temos o plano de lançar a List-It em setembro”, afirma Davi. Mesmo novo, o garoto já traça um perfil para o futuro. “Eu pretendo ter muitas startups. A List-It é só a primeira delas.”

Já Maria, a filha mais nova, é talentosa na cozinha. Todo o sucesso de Davi com os cupcakes não existiria sem a ajuda da caçula. “Eu vou para a cozinha desde os oito anos. O Davi queria vender e me pediu para ajudar a fazer os cupcakes”, afirma. Com o irmão focado no lançamento da List-It, o ritmo da produção de Maria diminuiu um pouco, mas ela continua aceitando encomendas dos bolinhos. A menina também tem um canal no YouTube, em que aparece cozinhando.

Equilíbrio

Segundo Kepler, outro aspecto importante da criação é, em alguns casos, segurar o ímpeto das crianças – especialmente de Davi. “O sucesso dele também tem um lado negativo. Ele se tornou conhecido e é sempre convidado para os mais diversos eventos. Nessas ocasiões, se ele é chamado para 20 palestras, temos que escolher três para ele ir”, afirma.

Apesar da veia empreendedora da família, não há nenhuma pressão para que os meninos tenham os próprios negócios. “O essencial é que eles estejam focados no trabalho, não no emprego. Quando alguém perde o emprego, fica sem chão. Mas quando o pensamento está no trabalho, a pessoa sempre vai correr atrás. Mas o mais importante, para mim, é que eles sejam felizes. Não importa como.”

Fonte: Pequenas Empresas & Grandes Negócios