O brasileiro nunca esteve tão endividado. Apenas aos bancos, a fatura a pagar chega a R$ 1,360 trilhão, um recorde histórico. Se essa conta fosse dividida igualmente entre os 120 milhões de clientes das instituições financeiras, o esforço que cada um teria de fazer para saldar o débito chegaria a R$ 11,2 mil. Os números fazem parte de levantamento feito com base em dados recentes do Banco Central (BC).
Mas, não bastasse estar com a corda no pescoço, um problema ainda maior que atormenta os consumidores são os crescentes juros cobrados nas principais modalidades de financiamento. Temendo o calote de clientes, os bancos colocaram o pé no freio. Com isso, passaram a liberar apenas créditos emergenciais, como o cheque especial e o cartão de crédito. Acontece que, além de terem juros em geral mais salgados que as demais operações, essas linhas tendem a ficar ainda mais caras em momentos como o atual, em que o Comitê de Política Monetária (Copom) deu início a um novo ciclo de aperto monetário.
“As linhas de crédito rotativo, como cartão e cheque especial, geralmente têm prazo de apenas um mês de duração. Depois são renovadas automaticamente, para que o banco possa avaliar, sempre que puder, as condições da economia e do cliente, e verificar se é preciso ou não reajustar as taxas cobradas na operação”, disse o economista Luiz Rabi, da Serasa Experian. É justamente o que os bancos têm feito, dizem os especialistas.
Com a piora da economia e diante de perspectivas nada animadoras para 2015, as principais instituições financeiras passaram a reajustar as taxas cobradas nessas linhas, para se precaver de um possível calote dos consumidores, caso a desaceleração do Produto Interno Bruto (PIB) resulte em aumento do desemprego. O resultado foi uma elevação substancial nos juros, principalmente nessas linhas emergenciais.
A taxa de juros do cheque especial está no maior patamar em 15 anos. Em setembro, o consumidor que tomou dinheiro nessa operação pagou, em média, juros de 183,3% ao ano. Em pior situação estiveram os brasileiros pendurados no cartão de crédito. Dados da Associação Nacional de Executivos de Finanças e Contabilidade (Anefac) mostram que os juros nessa linha alcançaram, em setembro, 241,6% ao ano, o maior patamar em um ano.
E pode piorar. No início de dezembro, o Copom se reunirá pela última vez no ano. As sinalizações recentes são de que o aperto nos juros será intensificado. Na última reunião do órgão, no fim de outubro, os diretores do BC votaram, em decisão dividida, por uma elevação na Selic de 0,25 ponto percentual, para 11,25% ao ano. Até então, o consenso no mercado financeiro era de que a dose do ajuste seria mantida em dezembro.
Mas, na terça-feira, declarações explosivas do diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton Araújo, fizeram os analistas mudarem de ideia. O diretor avisou que “de forma alguma” a autoridade monetária será complacente com a escalada dos preços. E que, se for necessário, o Copom poderá “recalibrar” a dose do aperto nos juros, “de modo a garantir a prevalência de um cenário benigno para a inflação”, disse.
Em atraso
O efeito da combinação de inflação em alta e juros elevados colabora para o aumento da inadimplência na capital mineira. Segundo o indicador do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH) referente a outubro, o número de dívidas em atraso teve crescimento de 2,27% na comparação com igual período do ano passado. É o maior índice dos últimos cinco anos. No acumulado do ano, a inadimplência aumentou 5,78%.
A economista da entidade Ana Paula Bastos explica que com o boom do consumo nos últimos dois anos muitos brasileiros compraram sem fazer o devido planejamento financeiro. “A prestação que tinha peso X teve o peso aumentado muito. Subiu o gasto com alimentação, transporte e aluguel. E as pessoas dão prioridade para o pagamento de contas de primeira ordem”, afirma, ressaltando que o fato de os juros estarem elevados encarece a negociação com os credores. A afirmação ganha peso com a queda de 1,03% na quitação dos débitos na comparação entre outubro de 2013 e 2014.
O auxiliar administrativo Alexandre Wágner engrossa a lista dos ex-endividados. Orgulhoso, ele conta que mês passado conseguiu quitar um débito com o cartão de crédito que durou mais de três anos. Aos 17, ele abriu a primeira conta bancária para receber o salário de jovem aprendiz (metade do mínimo). Com a tarjeta, se descontrolou e gastou mais que ganhava. “Para um adolescente, o cartão é uma festa”, diz ele, que recorda ter comprado roupas e objetos de necessidade para o dia a dia. Alguns anos mais velho, ele diz ter aprendido a controlar o dinheiro, cortando gastos menos importantes. Hoje ele diz ser um exemplo para os familiares. E afirma que ‘limpar o nome’ “facilita para abrir o próprio negócio”.
Fonte: Diário de Pernambuco – Online