Uma das soluções para enfrentar o medo de envelhecer sozinho é criar laços sociais
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A longevidade é uma conquista. Em 1991, a expectativa de vida dos brasileiros, ao nascer, era de 66 anos; em 2002, alcançou os 71 anos; em 2012, atingiu 74,6 anos. Os dados são do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). “O Brasil não acreditou que iria envelhecer e isso está acontecendo rápido”, diz o médico Renato Veras, diretor da Universidade Aberta da Terceira Idade, extensão da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
O aumento da longevidade é uma boa notícia, mas a nova realidade também impõe desafios. Afinal, é comum que surjam limitações conforme a idade avança. “Até agora, o Brasil não tem políticas adequadas para dar suporte à velhice”, afirma Alexandre Kalache, médico e presidente do Centro Internacional de Longevidade.
Segundo Kalache, a maioria das pessoas não está preparada para lidar com o envelhecimento, muitos negam os efeitos do tempo em sua saúde e disposição e um dos maiores receios de quem ultrapassa a fase adulta é a solidão.
“Não ter com quem conversar, com quem sair, se sentir inútil, deixar de ser desejado, ter de lidar com o abandono… Tudo isso é muito difícil e essas percepções, se não forem enfrentadas, podem levar à depressão e até ao suicídio”, explica a doutora em Psicologia Clínica e mestre em Gerontologia Dorli Kamkhagi, do Grupo de Envelhecimento do Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo)
Para Veras, a sensação de abandono aumenta o risco de adoecer e de sofrer complicações mais sérias. “A solidão pode interferir no quadro clínico, colaborando para o agravamento de diversas doenças”, afirma.
Família e amigos como suporte
Em seu livro “A Bela Velhice” (Record), a antropóloga Mirian Goldenberg afirma que, no Brasil, o ideal da família como fonte de segurança e felicidade permanece forte. E, ainda hoje, um dos fatores que mais pesam para a decisão de ter filhos é a possibilidade de contar com amparo e companhia na velhice.
De acordo com a psicóloga Deusivania Falcão, professora da USP (Universidade de São Paulo) na área de psicologia do envelhecimento, não há garantia nenhuma de que os filhos efetivamente poderão se prestar a esse papel.
“Apesar de muitos pais terem zelado e cuidado de seus filhos ou netos, não há como prever se receberão de volta esse investimento quando alcançarem a velhice”, diz. A docente também destaca que, ao sentirem-se obrigados a exercer a função de cuidadores, muitos filhos acabam nutrindo sentimentos ambíguos em relação a seus pais, o que pode levar à agressão.
Para o médico Alexandre Kalache, quem tem filhos aumenta, de qualquer forma, a probabilidade de contar com um cuidador no futuro. “A questão é que, mesmo quando os filhos estão dispostos a ajudar, o apoio nem sempre é imediato”, diz.
Uma das soluções para enfrentar o medo de envelhecer sozinho é criar e cultivar laços sociais, dentro e fora da família. “Pesquisas apontam que as relações sociais eletivas, de amizades, têm até mais potencial de proteção para o bem-estar subjetivo e a saúde dos idosos do que as relações de família”, diz Deusivania.
Assim, frequentar cursos, grupos que reúnam pessoas com os mesmos interesses, centros de convivência, organizações não governamentais e templos religiosos pode ser uma maneira de se fortalecer. “Esses grupos servem como uma rede de apoio e estímulo. Muitas vezes, é por meio desses contatos que adquirimos a ajuda emocional para vencer o medo da solidão”, declara Dorli.
Outros aspectos exigem planejamento
No entanto, acima dos 50 anos, não necessitamos apenas de companhia. Nessa fase, garantir moradia, saúde e alimentação, por exemplo, é tão importante quanto nos períodos anteriores.
“Com o envelhecimento, não é a vida que piora, e, sim, o apoio que diminui”, diz Veras. O salário da aposentadoria pode não ser suficiente para garantir a manutenção do padrão considerado o ideal e, por isso, planejar a vida financeira, desde cedo, é essencial. “É imprescindível adotar a filosofia do envelhecimento ativo e, para que isso ocorra de forma espontânea, é essencial acumular quatro capitais: o vital, o financeiro, o social e o intelectual”, ensina Kalache.
Adotar um estilo de vida saudável, uma dieta equilibrada, combater o sedentarismo e não consumir drogas, como álcool e cigarro, é o que garante a reserva vital. “Essa reserva diminui com a idade e, para compensá-la, é preciso estar preparado. Os estragos causados por um estilo de vida desregrado aceleram o declínio e não adianta, posteriormente, culpar o envelhecimento”, alerta Kalache.
Investir em um plano de previdência, acumular economias e adquirir a casa própria são alternativas para aumentar a segurança na aposentadoria. “Nessa faixa etária, os cuidados com a saúde também aumentam e é importante colocar esses gastos extras na conta”, diz o médico. Portanto, um plano de saúde não é luxo e merece entrar no orçamento.
O aspecto social corresponde aos laços afetivos construídos e cultivados ao longo da vida e o intelectual tem a ver com a busca constante por novos conhecimentos. “Os idosos merecem oportunidades no mercado de trabalho. Esse novo olhar sobre a velhice, que a entende como um período ativo, é que vai nos ajudar a derrubar a discriminação”, afirma Kalache.
Fonte: UOL