Uso dessa linha de crédito foi de 8% em janeiro de 2015 em relação ao mês anterior
A inflação mais pesada e a falta de planejamento financeiro estão empurrando o brasileiro para o dinheiro mais caro oferecido pelos bancos: o rotativo do cartão de crédito, que tem juro médio anual de 334%. Quase R$ 30 bilhões por mês foram emprestados nessa linha de crédito em janeiro, um crescimento de 8% ante o mesmo mês de 2014. A alta é expressiva, já que a concessão de empréstimos de longo prazo com recursos livres (ou seja, sem juros subsidiados pelo governo) caiu 4% no mesmo período.
O consumidor entra no rotativo quando opta por pagar apenas o valor mínimo da fatura do cartão ou outra cifra insuficiente para abater a dívida. Com juros estratosféricos ao ano, o rotativo acaba aprisionando boa parte dos consumidores: quatro em cada dez que recorrem a ele ficam inadimplentes – de longe o maior porcentual de calote do sistema financeiro.
Pouco melhor que recorrer ao rotativo, uma opção é tentar parcelar a fatura. O juro ainda é salgado, de 106,7% ao ano.
Os dados sobre cartão de crédito começaram a ser divulgados em fevereiro pelo Banco Central (relativos a janeiro). Antes, só pesquisas de institutos de defesa do consumidor e associações abordavam esse mercado.
“O cartão de crédito pode ser muito bem utilizado, se a pessoa entender o que ele significa. Se eu gasto R$ 200 no cartão no dia 10 do mês, eu só estou postergando o pagamento daquela despesa. No vencimento da fatura eu vou precisar ter esse dinheiro”, diz Gabriela Vale, consultora financeira pessoal do Instituto Libratta.
Situação econômica
O Banco Central separa os dados sobre cartão de crédito em três modalidades: rotativo, à vista e parcelado. Apesar do crescimento, o volume do rotativo ainda representa metade do crédito à vista. “Mas mesmo que boa parte do dinheiro emprestado seja do cartão à vista, ele é um crédito rotativo em potencial, porque há a possibilidade de a família escolher pagar o mínimo da fatura à vista e cair no rotativo”, afirma Marianne Hanson, economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
Uma pesquisa da entidade mostra que o cartão de crédito é a principal fonte de dívidas para 70% das famílias brasileiras. Desde o início da pesquisa, em 2010, o cartão lidera o ranking. A situação da economia está deixando o consumidor com o orçamento familiar mais restrito. Combustíveis e energia elétrica tiveram reajustes significativos em 2015. Consequência do aumento de impostos, a gasolina respondeu, sozinha, por 25% da inflação de fevereiro. Com as contas mais apertadas, a inadimplência do cartão de crédito e o uso do rotativo tendem a crescer – se não sobra dinheiro, as pessoas optam mais pelo pagamento mínimo.
O recomendado é que o consumidor não fique muitos meses no rotativo do cartão, pois a dívida só vai crescer e ficar mais difícil de pagar: a cada mês os juros são cobrados também sobre os juros do mês anterior. Se a falta de dinheiro persistir, o ideal é renegociar a dívida no banco. Uma opção é fazer um empréstimo em outra linha com juros menores (como o consignado ou o crédito pessoal) e usar o valor para quitar o débito no rotativo. Depois, é hora de pagar o novo empréstimo com mais prazo e juro menor.
O problema, no entanto, começa antes. “A pessoa tem que admitir seus erros e não gastar mais do que ganha. O orçamento mensal da família tem que ser realista. É preciso um esforço financeiro”, afirma Nicola Tingas, economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi).
Calote
“Enquanto na maior parte das linhas de crédito a inadimplência está estável, no rotativo ela subiu. E as taxas de juros crescem junto”, diz o economista da Boa Vista SCPC, Flavio Calife. Em janeiro do ano passado, os calotes estavam em 31% – agora subiram para 39%. No mesmo período o juro do rotativo ao ano passou de 309% para os atuais 334%. A situação de aperto no orçamento ainda é agravada pela alta da Selic (taxa de juros de referência). “Para um financiamento de curto prazo, como o rotativo, a alta da Selic tem impacto imediato no bolso do consumidor”, diz Marianne, da CNC.
Fonte: Estadão Conteúdo