Número de brasileiros com débitos atrasados salta de 52,5 milhões em março de 2014 para 54,7 milhões no mês passado, sendo que 71% deles estão inadimplentes há mais de um ano
A matemática de consumir movido pelo crédito, fácil e caro, pode levar o consumidor para a inadimplência e até ao superendividamento, aquela dívida que nem se dispusesse de toda sua renda mensal a família conseguiria quitar, que tira o sono e transforma a euforia do consumo em tormenta. Indicadores econômicos mostram que o comprometimento da renda do brasileiro está em patamar crescente, avançando junto com a alta das taxas de juros e encarecimento do crédito. Mecanismos para que os endividados possam colocar a vida financeira em dia, renegociando com o credor, são uma luz no fim do túnel e já estão ganhando fôlego em vários estados brasileiros, sendo também alternativa para revisão Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Indicador do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) mostra que, em março, 54,7 milhões de brasileiros estavam endividados, 2,2 milhões a mais que em março do ano passado e cerca de 900 mil brasileiros a mais do que em fevereiro. Desse percentual, 71% (38,8 milhões) têm dívidas vencidas há mais de um ano. A inadimplência dos consumidores em março avançou 3,76% frente a 2014, o percentual que estava estável voltou a ganhar fôlego a partir de meados do ano passado.
“O percentual é preocupante porque mostra que essas pessoas estão em sérias dificuldades para quitar os seus compromissos. Negativadas elas deixam de consumir”, observa Flávio Borges, gerente financeiro do SPC Brasil. Segundo ele, as dívidas de valores menores são quitadas em até 90 dias e aquelas de maior valor geralmente constituem o percentual atrasado há mais de um ano.
A luz amarela já foi acesa por especialistas que apontam 2015 como um período que pode potencializar a crise nas famílias. Ao fim de um ano os juros do cartão de crédito, por exemplo, em alta e somando mais de 240% ao ano, quadruplicam o valor da fatura. Para Borges a negociação e o pagamento são sempre a melhor saída. Um possível alívio para os afogados nas contas que atingem patamares impagáveis pode ser a atualização do Código de Defesa do Consumidor (CDC), proposta no PLS 283/12 em tramitação no Senado. Se aprovada, a medida pode incluir na lei uma espécie de recuperação judicial do consumidor, permitindo a negociação de dívidas, respeitando o percentual necessário à sobrevivência da família. A medida é um grande avanço na opinião da juíza Clarissa Costa de Lima, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e estudiosa do tema do superendividamento.
O nível de endividamento das famílias saltou de 35,9% em 2010 para 46,35% em janeiro de 2015, segundo dados do Banco Central. As dívidas envolvem todas as classes sociais e onde as dívidas impagáveis chegam os danos são de grandes proporções.
Drama Em 2014, Joana (nome fictício), funcionária pública, recebia salário de R$ 16 mil e havia acabado de comprar um apartamento financiado pela Caixa. Movida pelo desejo de decorar a casa nova e motivada pelo crédito fácil, que pode ser contratado pela internet, ela fez um empréstimo utilizando uma linha de crédito pessoal (CDC) para comprar móveis novos, eletrodomésticos e peças de decoração.
Mas o sonho virou tormento. Em 12 meses a dívida de Joana dobrou, atingindo o montante de R$ 150 mil. No mesmo período ela perdeu a remuneração de um cargo comissionado e sua renda baixou para pouco mais de R$ 6 mil líquidos. “Desse montante o banco está retendo mais de R$ 5mil, me sobrando R$ 802 por mês”, conta a funcionária pública. Ela diz que pegou o empréstimo movida pela facilidade do crédito e por não acreditar que pudesse, de uma hora para outra, perder parte de sua renda.
Joana perdeu a renda e a paz. O valor que lhe resta não é suficiente para pagar suas despesas básicas e ela está contando com a ajuda de familiares. O casamento também sofreu. “Meu marido não aceita que eu tenha caído nessa bola de neve.” Na Justiça contra o banco, Joana está tentando agora renegociar a dívida para ter acesso a uma maior parte de seu salário. “Sei que tenho que pagar, mas o que estão me deixando não é suficiente para eu viver.”
Clarissa Lima explica que a proposta para revisão do CDC também prevê a educação financeira, mas ressalta que ao contrário do que muitos podem pensar não é só a falta de experiência para lidar com o crédito e as contas que levam ao descontrole nas sociedades de consumo, mas também os revezes da vida, como o desemprego que começou a crescer no país.
O descontrole financeiro do brasileiro também aparece na Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) da Confederação Nacional do Comércio (CNC). Segundo o levantamento, 59,6% das famílias têm a renda comprometida por dívidas, sendo que 20,7% revelam que o comprometimento chega a superar 50% do orçamento e 6,2% disseram que não terão condição de quitar a fatura.
Fonte: Estado de Minas – Online