Consumo se tornou um componente para balancear os sentimentos; pessoas estão sendo levadas por impulso
Um passeio no shopping após um dia tenso e comprinhas para relaxar. Segundo o levantamento realizado pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), 36% dos brasileiros entrevistados admitiram que o ato é utilizado como uma forma de aliviar o estresse do dia a dia. Comprar para relaxar é a opção de 43% das mulheres, que responderam à pesquisa, e 28% dos homens.
Apesar do bem-estar imediato, o comportamento é apontado como uma armadilha mais adiante, especialmente em tempos de crise. “Consumir é algo muito prazeroso, mas é preciso comprar com racionalidade para que o hábito não se torne compulsivo e não cause endividamento”, alertou o economista Bruno Pires.
O hábito já chegou a se tornar um problema para a artista plástica Emília Freire Gutmann, 59 anos. “Antes, quando eu estava estressada, eu passava no shopping e comprava mais do que eu devia. Logo depois batia o arrependimento, mas eu continuava comprando”, contou Emília, que depois de se tratar teve o costume de comprar por prazer diagnosticado como uma compulsão por comprar.
“Na época, os valores acumulavam no cartão de crédito. Hoje, eu continuo indo ao shopping para me distrair, mas tudo é na ponta do lápis e todo o pagamento é feito em dinheiro”, revelou.
A aposentada Célia Bosch, 72 anos, contou que gosta de se dar presentes quando está estressada. “Tenho um exame importante para fazer amanhã (hoje) e estou passeando para ficar tranquila”, contou. “Costumo comprar mimos para mim para desestressar. Pode ser roupa, perfume, sabonete, qualquer coisa que me faça um carinho”, explicou Célia.
Apesar de, às vezes, gastar o que não estava previsto, ela disse que a despesa não compromete o orçamento e que não há consciência pesada. “Tudo o que compro me dá tanto prazer e felicidade, que não tem arrependimento”.
Do total de 745 entrevistados, quase a metade – 47,7% – admite fazer comprar para se sentir bem. Esse é o caso da dona de casa Abigail Leal, que vê na ida ao shopping para comprar a possibilidade de levantar o astral. “Vou ao shopping quase toda semana e gosto muito comprar presentes para a minha família”, afirmou. Ao ser perguntada se existe arrependimento, a dona de casa conta que, às vezes, a consciência pesa. “Quando gasto demais, juro que vou passar um mês sem ir ao shopping, e não deixo, de jeito nenhum, meu marido abrir meu extrato do cartão de crédito”.
Válvula de escape
Segundo o educador financeiro do portal Meu Bolso Feliz SPC Brasil José Vignoli, a pesquisa mostra como o consumo se tornou um componente para balancear os sentimentos. “O que se percebe é que comprar tem sido uma válvula de escape, uma forma de compensar frustrações”, diz.
Comprar por impulso é um comportamento de 44,5% dos entrevistados, que admitem que o sentimento de urgência é mais forte que a reflexão. Segundo o estudo, estes consumidores acreditam que se não realizarem aquela compra, mesmo que o produto não seja necessário, terão desperdiçado uma “boa oportunidade”. “As pessoas estão em um ritmo de consumo muito forte, e mesmo na crise, não conseguem deixar o hábito”, diz.
Economistas alertam para risco de endividamento
Outro dado levantado pelo estudo revela que 40,3% dos entrevistados estão ou já estiveram com o nome sujo por extrapolar nas compras sem pensar. “O público não deve deixar de consumir, mas esse ato precisa ser feito com prudência e cautela, até porque não sabemos se haverá uma melhora no cenário econômico”, ponderou o economista Bruno Pires.
Segundo ele, é essencial ter controle dos gastos e poupar pelo menos 10% do que se ganha. “A reserva é fundamental diante do risco de desemprego e do aumento de tributos, que tem sido cada vez mais presente no dia a dia dos brasileiros”, alertou Pires, lembrando que guardar dinheiro serve para enfrentar a crise e também para atingir outros objetivos, como comprar a casa própria, trocar o carro e fazer uma viagem.
O economista indica ainda que os consumidores busquem outras formas de relaxar que não estejam alinhadas ao consumo excessivo. “As pessoas devem pensar em programações menos agressivas ao bolso, que também deem prazer”, sugere.
O professor de Economia da Universidade Salvador Gustavo Pessoti reforça o discurso. “As pessoas devem optar por atividades ao ar livre que também desestressam, mas que não impliquem em um consumo excessivo”, recomendou. Pessoti ressaltou a necessidade de fazer uma reserva diante do contexto atual.
“O ano de 2016 será um ano de colapso da economia, com um aumento expressivo do desemprego. A situação está crítica e as novas gerações não têm a referência de poupança, que é tão importante neste momento”, disse.
Fonte: Correio* 24horas