Cresce a venda dos produtos mais baratos e dos premium, para compensar a economia feita fora de casa, diz consultoria
A inflação que se consolida na casa dos dois dígitos no Brasil tem gerado um estilo de consumo diferente no país: o “ampulheta”. Neste sentido, cresce a venda de produtos nos extremos: os mais baratos, para enfrentar a alta de preços disseminada na maior parte das categorias, e os premium, que entram como compensação pela economia feita fora de casa . As marcas intermediárias perdem espaço, segundo a consultoria Nielsen|IQ.
No primeiro trimestre deste ano, por exemplo, em comparação ao mesmo período do ano passado, cresceu o consumo de pratos semiprontos (alta de 116% em valor e de 68% em volume), segundo a consultoria Nielsen|IQ. Por outro lado, caiu a venda de arroz em valor (-13%), mas cresceu 6% em volume -um claro sinal de que as pessoas estão substituindo as marcas tradicionais pelas mais baratas.
“O Brasil foi bem mais impactado pela inflação do que outras economias mundiais”, diz Roberto Butragueño, diretor de varejo da NielsenIQ.
Em um levantamento feito pela consultoria para medir o peso da inflação sobre o consumidor em 100 países, o Brasil foi o que apresentou a maior variação em 2021 sobre o ano anterior: alta de 24,6% no preço médio por unidade em produtos de consumo (alimentos, bebidas e itens de higiene e limpeza).
“O brasileiro quer e precisa economizar . Mas tem procurado aliar essa redução de gastos a algumas recompensas. Em vez de sair para um bar, por exemplo, compra a sua cerveja preferida e a toma em casa, daí o aumento no consumo de cervejas premium e artesanais”, diz Butragueño. “É um consumo ampulheta, em que o mais caro e o mais barato crescem, em detrimento de marcas de valor médio.”
Neste cenário, perdem espaço as marcas médias, tradicionais, e crescem aquelas que custam 20% a mais e as que custam 20% menos.
Para não deixar de consumir a marca preferida, muitas vezes o consumidor troca de tamanho, em busca de uma versão reduzida. Ou aumenta o consumo de embalagens tamanho família, que apresentam um custo menor por unidade. “Faz parte deste comportamento a busca por compra em atacarejos , que oferecem um preço médio menor que o dos supermercados tradicionais”, afirma o executivo.
Segundo Butragueño, não se trata necessariamente de consumir o mais barato sempre, mas sim de procurar a melhor relação custo-benefício. “Para lidar com a redução do poder de compra, o consumidor está fazendo mais conta, avaliando no que gastar”, diz.
Durante a pandemia, o número de consumidores no mundo que se tornaram “novos restringidos” (passaram por uma degradação da situação financeira e começaram a controlar os gastos) atingiu 46%. No Brasil, este índice foi muito maior, 62%.
Já aqueles “protegidos cautelosos” (que sofreram baixo ou nenhum impacto na situação financeira, mas mesmo assim passaram a observar mais os gastos) somaram 27% no mundo e 25% no Brasil.
O país se distancia da média mundial nos extremos: os “previamente restringidos” (que já administravam de perto seus gastos antes da pandemia e mantiveram o comportamento) somam 17% no mundo e 9% no Brasil; enquanto os “protegidos irrestritos” (cuja situação financeira ficou estável ou até melhorou durante a pandemia, e não precisam controlar seus gastos) são 9% no mundo e 3% no Brasil.
Entre os “novos restringidos” no mundo, 68% perceberam que o custo dos mantimentos aumentou nos últimos seis meses. No Brasil, 87% tiveram essa percepção. Como resultado, praticamente todos mudaram sua maneira de fazer compras para gerenciar as despesas: 97% no mundo e 98% no Brasil, segundo a Nielsen|IQ.
Na busca pelo melhor “custo-benefício”, diz Butragueño, o consumidor faz mais pesquisa online de preços e muitas vezes decide comprar pela internet. “Também reduz as idas ao ponto de venda, voltando a fazer a compra do mês, tão comum na década de 80, época de inflação em alta”, afirma.
No gerenciamento das despesas, está a redução do consumo fora do lar e de serviços supérfluos, segundo o executivo. “Para as empresas, é importante evoluir o portfólio de produtos, buscando ser relevante em todo o espectro de preços”, afirma. “Também é preciso se concentrar na comunicação dos principais benefícios do produto, pelos quais o consumidor esteja disposto a pagar.”
Mas, ao mesmo tempo, afirma Butragueño, as empresas não podem deixar de pensar em inovação. “Há cinco anos, ninguém diria que os aplicativos de entrega de comida atingiriam esta representatividade no mercado, mesmo em um cenário de pandemia sob controle”, diz.
“Da mesma maneira, a preocupação com a saudabilidade é uma tendência sem volta. Os consumidores não vão querer deixar de consumir coisas gostosas, mas querem que elas sejam cada vez mais saudáveis.”
Fonte: Folha de S. Paulo