O Brasil aprovou em agosto de 2010 a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que determina, entre outros itens, como deve ser a reciclagem de equipamentos eletroeletrônicos. A operacionalização da lei está sendo discutida em Brasília, mas segundo especialistas não será tão fácil implantar um sistema de destinação correta à sucata de computadores, celulares e utilitários domésticos, por uma série de questões. A principal delas, segundo representantes da indústria e das distribuidoras de tecnologia, é a conscientização das pessoas.
A Política Nacional prevê obrigações que vão do consumidor ao fabricante ou importador, sendo que àquele cabe devolver o lixo eletrônico quando deixa de utilizá-lo. A primeira conscientização necessária, portanto, seria quanto à importância de dar a destinação correta ao que perdeu utilidade em casa ou na empresa.
A criação de pontos de coleta é uma das formas possíveis de recolher esse material do consumidor. Mas isso implica, no mínimo, em fazer com que as lojas tenham um depósito ou espaço físico semelhante para armazenar o que for entregue – o que pode parecer simples para grandes lojas, mas geraria custos difíceis de serem absorvidos por comerciantes menores, pontua Raphael Telles, consultor jurídico da Associação Brasileira de Distribuidores de Tecnologia da Informação (Abradisti). Além disso, outra dificuldade seria o que fazer com produtos comprados em lojas virtuais, cada vez mais comuns, ou adquiridos fora do País – legal ou ilegalmente.
Outra lógica possível seria a de que, no caso de equipamentos maiores, a loja que fosse entregar a unidade nova já recolhesse a velha. “Quase ninguém fica com duas geladeiras em casa, então no momento em que compra a nova o consumidor já pode pedir à loja que recolha o eletrodoméstico antigo”, exemplifica André Luis Saraiva, diretor de responsabilidade da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) e relator do Grupo Técnico Temático (GTT) que discute a questão em Brasília.
Uma vez recolhida a sucata eletrônica, outro problema se coloca: para quem enviar o material? Pelo que descreve o PNRS, ele deveria ser entregue da loja ao distribuidor, afirma Telles, mas aqui também seria necessário espaço de armazenamento, o que geraria alta de custos. “Além disso, seria preciso alguém para gerir esse material, quer um funcionário específico, quer um que vá assumir essa função, mas de qualquer maneira é um complicador para empresas de pequeno porte”, completa Wanderley Coelho Baptista, analista de políticas e indústria da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Telles, da Abradisti, acredita que o que pode acontecer – e por isso a Associação não tem uma posição definida sobre como deve ser operacionalizada a Política Nacional – é as distribuidoras fazerem acordos individuais com as indústrias, de modo que, por exemplo, o lixo eletrônico seja encaminhado direto aos armazéns destas últimas. Ainda assim, outro problema se coloca: para quem enviar os produtos importados, fabricados fora do País?
Saraiva, da Abinee, pontua que deve-se ter um regime rígido e que iguale as importadoras e as fabricantes, para não gerar condições de competitividade diferentes para as duas. “Se a indústria nacional tiver esse custo de destinação da sucata eletrônica e a de fora do País não tiver, os produtos brasileiros serão mais caros, e aí como se vai convencer o consumidor a comprar o eletrônico feito aqui?”, levanta.
Há, ainda, uma questão fiscal, levantada pelos três especialistas: a da propriedade da sucata, que em alguns casos implica na chamada bitributação. Uma vez que existe uma obrigatoriedade legal de destinação correta, cada setor envolvido precisaria de um documento que atestasse o cumprimento de sua parte. Além disso, para transportar a sucata da loja até a distribuidora, por exemplo, é necessário nota fiscal, porque não se pode transportar produtos sem nota. Mas para emitir nota, é preciso pagar imposto – que já pagou quando comprou vendeu ao consumidor -, e é nesse ponto em que se tem bitributação: pagar imposto duas vezes sobre o mesmo produto, explica Telles. Ele ainda destaca que na verdade nenhum tipo de nota fiscal existente hoje cobre esse tipo de atividade.
Outro ponto, levantado por Saraiva, diz respeito às campanhas independentes já em curso. “Enquanto você tem supermercados dizendo ‘tragam seus produtos’, temos empresas que vão passar a ter meta de recolhimento, que não serão nunca batidas se houverem iniciativas isoladas”, avalia. Ele enfatiza que não é contra as campanhas, mas acredita que elas têm intenção mais de levar o consumidor ao ponto de venda do que de conscientizá-lo sobre a necessidade de dar destinação correta aos resíduos eletrônicos.
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Por DÉBORAH SALVES /
Em: http://tecnologia.terra.com.br